Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

Atua na defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa Científica do Estado de São Paulo

Cultivando rosas

Afonso Peche Filho*

Há jardins que florescem mesmo sob um céu indiferente. Entre eles está o jardim da pesquisa científica, cultivado por mãos que insistem em cuidar do que muitos não veem, não compreendem ou não valorizam. A rosa, símbolo desse conhecimento rigoroso e paciente, nasce frágil: precisa de solo adequado, tempo, silêncio, observação e a presença contínua de quem cuida. No entanto, vive rodeada por ventos fortes, escassez e miragens que distraem aqueles que deveriam garantir sua sobrevivência. A metáfora é simples, mas profunda: cultivar rosas é cultivar ciência.

A essência da pesquisa está no gesto silencioso de quem acredita que o conhecimento precisa florescer mesmo quando o clima institucional é árido. A delicadeza da rosa corresponde à natureza da ciência: uma construção lenta, exigente, que não responde a impulsos imediatos nem a cálculos rápidos. Ela demanda cuidado cotidiano, proteção, atenção aos detalhes, e uma combinação rara de rigor e sensibilidade. Mas, justamente por ser delicada, torna-se vulnerável a sistemas que enxergam apenas resultados rápidos, métricas superficiais ou prestígio.

Ao redor desse jardim circulam diferentes personagens. Alguns tratam a ciência como palco para ordens e decretos; outros apenas buscam admiração e reconhecimento. Há quem veja no conhecimento apenas um acúmulo de números, como se a contagem fosse mais importante que o sentido. Existem também aqueles que, embora saibam do problema, permanecem presos a rotinas e vícios que impedem qualquer mudança. E há gestores que descrevem o jardim sem jamais ter caminhado entre suas plantas, alheios à realidade concreta de quem pesquisa.

Essas presenças não destroem a rosa de imediato, mas criam o ambiente de instabilidade que continuamente ameaça seu florescimento. A falta de continuidade, os cortes, a burocracia excessiva, a desvalorização da pesquisa básica, a pressão por resultados imediatos, a ausência de visão estratégica e o distanciamento entre decisão e realidade formam o conjunto de ventos que constantemente testam a resistência do cultivo científico.

O pesquisador é aquele que, apesar de tudo, decide proteger a rosa. Ele a rega mesmo quando ninguém observa, a compreende de perto, conhece seus ciclos, suas necessidades, seus riscos e sua beleza oculta. Ele sabe que o valor da rosa não está na aparência rápida, mas na transformação silenciosa que ela opera: novos métodos, novas interpretações, novas tecnologias, novos sentidos de mundo. A pesquisa é, assim, um ato de cuidado radical.

O jardim da pesquisa é também um espaço de responsabilidade. Quando se forma um novo pesquisador, quando se constrói um laboratório, quando se estabelece uma linha de investigação, cria-se um vínculo profundo com o futuro. Cada projeto, cada experimento e cada formação representa um compromisso com gerações que ainda virão. Cultivar rosas é assumir essa responsabilidade: aquilo que se cuida hoje será o fundamento do que outros colherão amanhã.

O maior risco para esse jardim não é a escassez de recursos, por mais agressiva que seja, mas a indiferença. Quando o essencial se torna invisível aos olhos de quem decide, a rosa começa a perder suas pétalas. A pesquisa, sem reconhecimento sensível de sua importância, se transforma em esforço isolado, quase clandestino, sustentado apenas pela dedicação de quem a cultiva. É nesse ponto que muitos jardins murcham: não pelo fracasso da ciência, mas pela ausência de quem deveria enxergar além da superfície.

Ainda assim, algumas rosas persistem. Persistem porque são cuidadas por pessoas que acreditam no conhecimento como patrimônio coletivo, como serviço à vida, como construção de futuro. Persistem porque cada pesquisador, mesmo diante das tempestades, mantém acesa a convicção de que vale a pena proteger o que floresce lentamente. Persistem porque o jardim da ciência tem uma força própria: nasce onde há curiosidade, ética e compromisso, mesmo que o solo pareça pobre.

O cultivo de rosas, portanto, é um chamado. Um chamado para reconhecer que a ciência não é ornamento, mas fundamento. Que o conhecimento não é luxo, mas estrutura invisível que sustenta a saúde, a tecnologia, a agricultura, a cultura e a dignidade de um país. Que não se colhe grandeza onde não se plantou cuidado.

Cultivar rosas é cultivar futuro. E, para que o jardim da pesquisa floresça plenamente, é preciso que mais pessoas aprendam a ver o que ainda não está pronto, a valorizar o que cresce devagar, a proteger o que demanda tempo. O essencial, afinal, permanece sempre escondido. Só floresce quando alguém tem coragem de cuidar.

*Pesquisador científico do Instituto Agronômico – IAC

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