Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

Atua na defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa Científica do Estado de São Paulo

Considerações sobre o PLC 09/2025 

Considerações sobre o PLC 09/2025 

Marco Antonio Teixeira Zullo – Farmacêutico Bioquímico, Pesquisador Científico. Ex-Presidente da CPRTI, Ex-Diretor Geral do Instituto Agronômico (IAC) 

O Governo do Estado de São Paulo enviou à Assembleia Legislativa, em 5 de maio, o projeto de lei complementar nº 9 (PLC 09/2025) que “Institui a Carreira de Pesquisador Científico e dá providências correlatas”. A exposição de motivos explicita como assunto uma “Proposta de Instituição e Modernização da Carreira de Pesquisador Científico”. Este documento afirma que “A carreira de Pesquisador Científico, criada pela Lei Complementar nº 125 (LC 125), de 18 de novembro de 1975, é um dos pilares da política estadual de ciência, tecnologia e inovação” e, por consequência, “Sua atualização se impõe diante da necessidade de modernizar a gestão de pessoas, em consonância com os princípios constitucionais da eficiência, mérito e transparência administrativa”, baseada em dispositivos das Constituições Federal e Estadual, bem como da Lei Complementar nº 1395/2023 que “Dispõe sobre os cargos em comissão e as funções de confiança no âmbito da Administração Pública Direta e das autarquias”i

O artigo 1º da LC 125, que “Cria a carreira de Pesquisador Científico e dá providências correlatas”, estabelece que ela é “constituída de cargos de provimento efetivo, a que são inerentes atividades de execução ou orientação de trabalhos de investigação científica ou tecnológica, em Regime de Tempo Integral, nos termos da Lei n° 4.477, de 24 de dezembro de 1957, nas instituições de pesquisa do Estado” passou a ter nova redação pela LC 186, de 5 de julho de 1978, que afirma que “Passam a constituir série de classes de Pesquisador Científico os cargos e funções-atividades a que são inerentes atividades de execução ou orientação de trabalhos de investigação científica ou tecnológica, em Regime de Tempo Integral, nos termos da Lei n° 4.477, de 24 de dezembro de 1957, nas instituições de pesquisa do Estado”. 

O Artigo 1º desta última firma que “O Regime de Tempo Integral (R.T.I.), …, aplica-se a cargos e funções, inclusive de direção e chefia, que por sua natureza exijam de seus ocupantes a realização ou a orientação de trabalhos de investigação científica ou técnico-científica dos Institutos referidos no art. 2.°, itens I e II, e no art. 3.° “caput”, alíneas “a”, “b”, “c”, “k” e “l”, da Lei n. 2.956, de 20 de janeiro de 1955”, estes últimos os Institutos Biológico, Butantan, Agronômico, Adolfo Lutz e o Departamento de Zoologia da Secretaria de Agriculturaii. O Artigo 2º estabelece que “O R.T.I. tem por fim incrementar a investigação científica e a formação de novos Pesquisadores mediante o estabelecimento de condições que favoreçam moral e materialmente a atividade de pesquisa”. O Artigo 7º traça o limite deste regime: “O servidor sujeito ao R.T.I. deve dedicar-se plenamente aos trabalhos de seu cargo ou função, particularmente no que diz respeito a investigação científica, vedado o exercício de outra atividade pública ou particular”, enquanto seus parágrafos 1º a 5º estabelecem exceções, formas de pagamento ou retribuição às exceções e punições a descumprimento do RTI. A LC 125, e posteriores que a modificaram, ampliou o número de institutos de pesquisa a que sujeita. 

O RTI é gerido pela Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI), composta por Pesquisadores eleitos por seus pares e por um representante do Governo do Estado, e lhe incumbe, entre outras atividades, planejar, organizar e executar, em todas as etapas, o concurso de ingresso na carreira de Pesquisador Científico e a avaliação dos integrantes da carreira para fins de promoção; propor a composição da carreira, sugerindo as alterações necessárias para a manutenção do sistema; propor a alteração da relação de institutos a que se aplica esta carreira. A esta Comissão, originalmente criada na Lei nº 4477, ainda compete propor medidas visando ao aperfeiçoamento da legislação referente à série de classes de Pesquisador Científico e ao RTI, manifestar-se sobre propostas de criação ou transformação de órgãos em institutos de pesquisa, manifestar-se sobre questões ligadas à legislação referente ao RTI à carreira de Pesquisador Científico. O PLC 09/2025 ignorou completamente as competências da CPRTI na sua formulação, assim como o havia feito um grupo de trabalho instituído na Secretaria de Agricultura e Abastecimento (GTSAA) na elaboração de um PLC visando à modernização da carreira de Pesquisador Científico. 

Afora a estranheza de o PLC 09/2025 instituir (sinônimos: criar, fundar, estabelecer) uma carreira que já existe, modernizar uma carreira que está criando (no mesmo ato cria algo anacrônico e o moderniza?!), extinguir a carreira existente (que afirma ser “um dos pilares da política estadual de ciência, tecnologia e inovação”), a legislação que a norteia (LC 125 e 656) e o órgão que a regula (CPRTI), deixando clara a confusão mental do grupo que o elaborou, fica muito claro o desconhecimento que esta equipe tem seja da carreira de Pesquisador Científico seja dos institutos de pesquisa. 

É necessário esclarecer que a comissão que o PLC 09/2025 extingue, a CPRTI, é composta por treze membros (Art. 13, LC 125), um dos quais de livre escolha do Governador e os outros especialistas em 12 áreas de conhecimento, escolhidos pela mesma autoridade entre 24 nomes votados entre e pelos Pesquisadores em atividade. Afora as atribuições já citadas, realiza anualmente a avaliação do desempenho dos Pesquisadores quanto à sua produção científica e tecnológica, aperfeiçoamento profissional, envolvimento em atividades acadêmicas e administrativas através de critérios objetivos. Cada Pesquisador Científico é avaliado no mínimo uma vez a cada quatro anos e para sua promoção a um nível superior da carreira sua produtividade deve suplantar a dos demais que já se encontram no nível superior. 

Ao extinguir o Regime de Tempo Integral e substituí-lo por outro de 40 horas semanais, a Jornada Completa de Trabalho, deixa de considerar o Pesquisador Científico como um servidor a que se aplica simultaneamente, como hoje, a Lei nº 10.261, de 28 de outubro de 1968, e a LC 4.477 mas um empregado a que adicionalmente se obrigam as condições apresentadas no Artigo 4º deste PLCiii. Algumas das restrições colocadas em seu § 1º, se obedecidas exatamente como escritas, inviabilizarão o estabelecimento de parcerias com usuários, execução de projetos com instituições de fomento à pesquisa, desenvolvimento de inovação seja no âmbito interno seja com a participação de outros atores dos setores público ou privado. Cominadas com o Parágrafo único do Artigo 2º tornam possível uma interpretação subjetiva do trabalho desenvolvido por um Pesquisador e fazê-lo candidato a uma exoneração aparentemente justificada. 

Causa estranheza que a Avaliação Especial de Desempenho dedique apenas um dos nove itens listados à aptidão em pesquisa científica (Artigo 7º, incisos I a IX). Fica a impressão de que a capacidade técnica e científica do Pesquisador ou candidato a sê-lo não é um critério de eleição ao cargo. Não é claro, realmente, o que se pretende com uma carreira de pesquisa científica em que parecem muito mais importantes os aspectos estranhos à capacidade de desenvolver ciência, tecnologia e inovação. 

A nova carreira de Pesquisador Científico anacrônico-moderna é constituída de 6 níveis, numerados de I a VI, cada um deles composto por 3 categorias, de A a C, esperando-se que as exigências para sua ocupação evoluam da menor à maior capacitação e complexidade de exigências à medida que se transite da categoria I-A à VI-C. A evolução funcional dar-se-á por progressão funcional, ao passar da categoria A à B e à C, e por promoção, ao passar da última categoria de um nível à primeira do imediatamente superior (Artigo 11). O Pesquisador deverá ingressar no nível I, categoria A, e observar um estágio probatório de 3 (três) anos. Para participar do processo de progressão o Pesquisador deverá ter no mínimo 1 (um) ano de efetivo exercício na categoria em que se encontraiv e para participar do processo de promoção deverá ter no mínimo 2 (dois) anos de efetivo exercício na categoria C do nível em que está classificado. Isto faz com que um Pesquisador Científico que ingresse no nível I nele permaneça por no mínimo 8 (oito) anos e, tendo sucesso em todos os processos de progressão e promoção permanecerá no mínimo 7 (sete) anos em cada um dos níveis II a V (28 anos no total), podendo então, concorrer ao nível VI, categoria A, após 36 (trinta e seis) anos de efetivo exercício na carreira de Pesquisador Científico, ao nível VI-B após 38 (trinta e oito) anos de exercício efetivo e ao nível VI-C após 40 (quarenta) anosv. A menos que os processos de progressão e promoção passem a ser individualizados e se despreze a avaliação populacional que hoje (e nos últimos 50 anos) se realiza ou se faça letra morta do que o projeto propõe. Este cronograma de evolução funcional privilegia o tempo de exercício ao invés da capacidade científica, impedindo a progressão de um jovem promissor e favorecendo a promoção de um profissional medíocre apenas por ter mais tempo de casa. Se a pretensão é tornar atraente a carreira de Pesquisador Científico nos institutos de pesquisa do estado de São Paulo, somos obrigados a dizer que este projeto tem exatamente o efeito contrário. Ninguém que realmente seja promissor, que realmente seja produtivo, que realmente tenha vocação para criar conhecimento, permanecerá por alguns anos em um ambiente que não lhe ofereça real oportunidade de progressão. Neste aspecto o PLC 09/2025 é um convite bastante caloroso ao êxodo de cientistas, à extinção, por falta de cientistas, dos institutos de pesquisa de São Paulo. 

O Artigo 16 do PLC 09/2025 estabelece que “o Pesquisador Científico será remunerado por subsídio nos termos dos §§ 4ºvi e 8ºvii do Artigo 39 da Constituição Federal e do parágrafo único do artigo 129 da Constituição do Estadoviii, fixado em parcela única, nos termos do Anexo I desta lei complementar, vedado o acréscimo de qualquer vantagem pecuniária”. Ao contrário do que a mensagem e o texto do PLC fazem parecer, a remuneração por subsídio para os servidores públicos organizados em carreira não é obrigatória (CF Art. 39, § 8º). O Artigo 129 da Constituição Estadual assegura o adicional por tempo de serviço e a sexta-parte aos servidores públicos estaduais, exceto àqueles remunerados por subsídio. Esta drástica mudança no regime de retribuição, de remuneração por escala de referência de vencimentos (LC 125, LC 727, LC 859, entre outras) para remuneração por subsídio, significa um enorme desprezo pelo trabalho desenvolvido pelos Pesquisadores Científicos dos institutos de pesquisa das áreas da saúde, do meio ambiente e da agronomia de São Paulo. A remuneração por subsídio provocará um maior distanciamento entre os vencimentos dos Pesquisadores Científicos de São Paulo com os de outros Pesquisadores de ambientes como os das universidades estaduais paulistas, da Fundação Osvaldo Cruz ou da Embrapa, por exemplo. Cálculos sobre a folha de pagamentos de Pesquisadores Científicos de fevereiro de 2025 revelam que a pretendida escala poderá causar um reajuste de 27,4% em média para o Pesquisador I a 19,2% para o Pesquisador VI. No entanto 36% dos Pesquisadores não receberão qualquer reajuste, porcentagem que deverá aumentar com o já aprovado PLC 12/2025, que reajusta as escalas de vencimentos dos servidores públicos estaduais. A defasagem de vencimentos dos Pesquisadores em relação à Embrapa varia de 71,1% para o nível I a 70,1% para o nível VI, de 50,4% para o nível I a 41,8% para o nível VI em relação à Fiocruz, e de 48,2% para o nível I a 51,8% para o nível VI em relação às universidades estaduais paulistasix. Ou seja, este PLC 09/2025 em nada torna atrativa a carreira de Pesquisador Científico proposta ao manter a elevada diferença de vencimentos entre cientistas dos quatro ambientes de pesquisa analisados, em tremendo desfavorecimento aos profissionais dos institutos de pesquisa estaduaisx. A situação será agravada pela aplicação de uma tabela rígida de vencimentos a que não se aplicam adicionais por tempo de serviço como ocorre nos outros três ambientes analisados e que ainda é um pequeno ponto favorável no ambiente de nossos institutos. 

As Disposições Finais do PLC 09/2025 criam, no Artigo 19, a Comissão Permanente de Avaliação de Desempenho e Desenvolvimento da carreira de Pesquisador Científico, de atuação conjunta aos órgãos setoriais do Sistema de Administração de Pessoal, com um número limitado de atribuiçõesxi, com a exclusão, notadamente, daquelas relacionadas ao aperfeiçoamento da legislação referente à série de classes de Pesquisador Científico e ao Regime de Tempo Integral e à manifestação sobre propostas de criação ou transformação de órgãos em institutos de pesquisa. Sua composição será definida em decreto, sabendo-se apenas que deve ter um número ímpar de membros, devendo abrigar ao menos 1 (um) membro “de cada instituição de pesquisa indicado pelo Titular de Secretaria ou Dirigente de Autarquia que possua Pesquisadores Científicos do quadro ativo” e um número não sabido de “indicados por Pesquisadores Científicos das instituições de pesquisa a que se refere o parágrafo único do artigo 1º desta lei complementar”, não se sabendo se estes serão indicados por especialidade, por instituto ou por Secretaria. Há um grande risco de avaliações corporativas, personalistas, que coloquem em dúvida a seriedade das progressões e promoções a serem realizadas por esta comissão. 

O Artigo 20 revoga explicitamente as Leis Complementares 125, já citada, e 656, de 28 de junho de 1991, que autorizava a realização de concursos especiais de ingresso na carreira de Pesquisador Científico nos níveis III a VI, porém já tacitamente revogada. 

As Disposições Transitórias enquadram os cargos e funções-atividades na nova carreira de acordo com os níveis em que estão tanto os Pesquisadores em atividade quanto os aposentados na data de publicação da lei. O enquadramento na categoria “cujo valor seja igual ou imediatamente superior à quantia resultante do somatório a que se refere o § 3º deste artigo”. O valor a que o somatório se refere que “exceder o valor da última Categoria do Nível em que o servidor foi enquadrado, será pago em código distinto, a título de Vantagem Pessoal decorrente de Enquadramento Subsídio – VPES, a ser absorvido na mesma data e em valor equivalente ao resultante da revalorização do subsídio ou de enquadramento decorrente de evolução funcional do Pesquisador Científico, na conformidade da Seção VII desta lei complementar.” Ou seja, havendo aumento no valor do subsídio diminuirá o valor da VPES, mantendo-se o valor bruto percebido pelo Pesquisador até que sucessivos reajustes da tabela de subsídios levem a valores que suplantem o percebido pelo Pesquisador. Cerca de 36% dos atuais Pesquisadores estarão nesta condição se este projeto de lei for aprovado, ou seja, terão seus vencimentos congelados por um certo período. Estas mesmas Disposições determinam a continuidade dos processos de acesso em andamento e das atribuições da CPRTI “até a publicação do ato regulamentador de composição da Comissão a que se refere o artigo 19 desta lei complementar”. 

Em um ambiente de pesquisa em que os últimos concursos para Pesquisador Científico ocorreram há vinte anos ou pouco mais, para as carreiras de apoio à pesquisa (LC 661, de 11 de julho de 1991) no mesmo prazo e as de assistente técnico de pesquisa (LC 662, de 11 de julho de 1991) há cerca de dez anos, em que significativa parcela de servidores tem mais de 30 anos de serviço, podendo aposentar-se nos próximos 5 anos, não se vislumbrando qualquer reposição, significativa ou insignificante, de pessoal, o PLC 09/2025 não permite ter-se qualquer esperança de necessária revitalização dos institutos de pesquisa estaduais. Ao contrário, prevê-se contínua evasão dos recursos humanos, seja por aposentadoria ou exoneração, dilapidação de patrimônio (por incapacidade de manutenção ou uso) e perda de importância técnica e científica. A médio prazo poderá significar a extinção de institutos de pesquisa, a cessão de próprios ou áreas de pesquisa a outros órgãos ou a particulares, a destruição, para nada, de instituições que sempre bem serviram à sociedade. 

É imprescindível que o PLC 09/2025 seja retirado da Assembleia Legislativa por tudo o que de deletério significa e que as autoridades estaduais abram um processo de diálogo franco, desarmado, com os Pesquisadores Científicos tanto através da Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral e da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo quanto de outras lideranças que considerar relevantes. É necessário ter clareza do que é necessário para o reerguimento dos institutos de pesquisa estaduais e do quão prejudicial é este projeto e outras atitudes destemperadas que vêm sendo adotadas nos últimos anos. 

____________________________________________________________________________________________________

Sobre o PLC 9/2025

Carlos Jorge Rossetto, rossetto1939@gmail.com, ALESP, 29 de maio de 2025

A Lei Complementar 125 de 18 de novembro de 1975 que rege a carreira do pesquisador científico, teve o texto do seu projeto de lei discutido em assembleia aberta com os profissionais da ciência no auditório do Instituto Butantan antes de ser encaminhada como sugestão ao senhor Governador do Estado. O PLC 9/2025 em tramitação em regime de urgência na ALESP, que revoga a LC 125 e propõe nova carreira, ao contrário da lei cinquentenária atual, não foi discutida com a comunidade científica. A Associação dos Pesquisadores Científicos solicitou a retirada do PLC 9 para discussão com encaminhamento ao Governador de abaixo assinado contrário ao PLC. As observações que seguem sobre o PLC 9/2025 em tramitação na ALESP tem o objetivo de explicar porque esse PLC é nocivo à atividade de pesquisa científica.

1-Contratação de pesquisadores no nível I categoria A.

Nos termos do Art. 5 do PLC o ingresso na carreira dar-se-á na categoria A do nível I. Nas décadas de 60 e 70 as universidades paulistas contratavam recém graduados como professores no nível I (auxiliar de ensino). Ingressei no IAC em 1961 recém graduado. Contratar recém graduados pelas universidades e institutos de pesquisa era normal nas décadas de 60 e 70. A pós graduação brasileira foi iniciada na área da agronomia na USP em 1968, completando no momento 57 anos. Com a pós graduação, agora cinquentenária, a USP extinguiu os níveis I e II de sua carreira e criou mais dois níveis acima do III, continuando sua carreira com seis degraus, mas a nova carreira de seis níveis da USP inicia no nível III. Esta é uma transformação lógica da carreira docente em face da nova realidade brasileira provocada por meio século de funcionamento da pós graduação. A mesma transformação deveria ser aplicada nas instituições de pesquisa brasileiras. Não se justifica mais contratar graduados para atividade de docência superior ou pesquisa em face da nova realidade brasileira com doutores titulados pelos cursos de pós graduação hoje cinquentenários. É lógica e correta a correção que a USP fez em sua carreira extinguindo os níveis I e II e criando dois níveis superiores ao III e passando a contratar apenas doutores no nível III. O PLC 9 mantem a contratação usada na década de 70. Muitos dos pesquisadores contratados na categoria A do nível I, nos termos propostos pelo Art. 5 do PLC 9, se já tiverem o título de doutor, não irão aguardar 8 anos no mínimo para serem promovidos ao nível III. Eles ingressarão para estarem empregados, mas ficarão procurando uma oportunidade para migrarem para outro emprego no nível III de doutor. Isso é agravado pelo fato do Art. 23 do PLC 9 revogar a Lei Complementar 656 de 28 de junho de 1991 que permite a contratação de pesquisadores nos níveis III, IV, V e VI.

2-Não aplicação do Regime de Tempo Integral, RTI aos pesquisadores.

O Art. 4º do PLC 9 diz que o tempo integral (Lei 4.477 de 24 de dezembro de 1957) não é aplicável aos pesquisadores. A Lei do RTI foi feita numa época que os servidores públicos trabalhavam 6 horas por dia. A lei estabeleceu no Artigo 7.º – O servidor sujeito ao R.T.I. deve dedicar-se plenamente aos trabalhos de seu cargo ou função, particularmente no que diz respeito a investigação científica, vedado o exercício de outra atividade pública ou particular. Para compensar essa dedicação plena à atividade científica a lei do RTI estabeleceu no Art. 17 vantagens de 100 a 150% de aumento salarial para os trabalhadores em RTI. Na atual legislação (Lei complementar 186 de 5 de julho de 1978, Art. 2º) os cargos da carreira de pesquisador já são considerados de regime de tempo integral, não havendo portanto o acréscimo salarial previsto no Art. 17 da lei 4.477. Portanto, declarar que os cargos e funções do pesquisador científico devem ser exercidos em regime de tempo integral não onera a folha de pagamento do governo. O PLC 9 Art. 4º está optando pelo regime de trabalho de 40 horas semanais para os pesquisadores científicos, revogando o disposto no art. 7º acima transcrito que exige do servidor dedicação plena à investigação científica, sem nenhuma redução de despesa para o governo. Ou seja, o Governo do Estado de São Paulo está optando através do PLC 9 para pesquisadores trabalharem apenas 40 horas semanais ao invés de exigir deles dedicação plena pagando o mesmo salário. Por que? Quem fica prejudicado com essa nova regra é a produtividade da ciência e seu maior beneficiário o povo paulista e brasileiro que é seu pagador.

3-Comissão de avaliação.

Atualmente (LC 125 de 18 de novembro de 1975 e LC 186 de 5 de julho de 1978) a Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral CPRTI é composta por pesquisadores escolhidos indicados em eleição pelos pesquisadores, sendo um de cada área da pesquisa e o presidente da CPRTI é nomeado com livre escolha do Governador. É uma comissão que avalia o mérito científico dos pesquisadores. Para avaliar o mérito científico a CPRTI considera os títulos com peso 3, os trabalhos científicos com peso 5 e uma prova com peso 2. É uma avaliação que enfatiza o mérito científico. O PLC 9 Art.19 revoga essa comissão e cria outra comissão, Comissão Permanente de Avaliação e Desempenho e Desenvolvimento da Carreira de Pesquisador Científico, CPADDCPC, composta (Art.19, Parágrafo único, 1) por um pesquisador de cada instituição de pesquisa indicado pelo Secretário de Estado ou pelo Dirigente da Autarquia e (Inciso 2) os demais (não se sabe quantos) indicados por pesquisadores. Fazendo uma analogia com as avaliações feitas pelas universidades em concursos de livre docência ou doutorado, seria trocar uma banca examinadora nomeada pelos cientistas por outra nomeada por secretários de estado. A banca examinadora nomeada em grande parte por secretários de estado teria credibilidade científica? O PLC 9 transforma a CPRTI, uma comissão de mérito científico, em uma CPADDCPC, uma comissão de mérito político.

4-Prestar serviços a quem tenha interesse na pesquisa desenvolvida.

PLC 9, Art. 4º parágrafo 1º Ao pesquisador científico…fica vedado;

  1. prestar serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade se relacione ás linhas de pesquisa desenvolvidas no âmbito da sua unidade de vinculação.

O disposto nos incisos 2 e 5 (acima transcrito) do parágrafo 1º do Art. 4º do PLC 9 colocam um sério obstáculo para execução da pesquisa agronômica. A pesquisa agronômica, pela sua natureza, é ela mesma uma prestação de serviço aos agricultores. Não é possível fazer pesquisa com soja sem prestar serviço ao sojicultor. Não é possível fazer pesquisa com cafeeiro sem prestar serviço ao cafeicultor. As cultivares vegetais antes de serem lançadas devem ser testadas e avaliadas junto aos produtores. Os incisos 2 e 5 devem ser retirados ou novamente redigidos, porque na forma que estão redigidos criam um sério obstáculo para execução da pesquisa agronômica. O importante não é proibir a prestação de serviço ao produtor rural. O importante é assegurar que o resultado desse trabalho conjunto do pesquisador científico do estado e o produtor rural seja de propriedade do estado, seja público e seja colocado à disposição de todos interessados.

5-Conclusão.

Nenhuma nação se desenvolve sem organizar sua ciência. O maior problema da ciência paulista e brasileira é a falta de organicidade. A ciência no Estado de São Paulo, feita por entidades federais, estaduais e municipais, além das pesquisas privadas, não tem organicidade. Os institutos de pesquisa do Estado de São Paulo devem ser declarados instituições complementares das universidades e formar com elas um conjunto executor de ciência organizado, sistêmico, sinérgico, planejado. O PLC 9/2025 ao invés de aproximar os Institutos das universidades paulistas, os separam ainda mais, prejudicando a produtividade científica pública do Estado de São Paulo.


ADENDO, 7 de junho de 2025

1-Contratação de pesquisadores no nível I categoria A.

O correto é a regra de contratação para a carreira do pesquisador científico evoluir, como evoluiu a USP, para contratação no nível III, exigindo título de doutor dos candidatos. Deve a nova lei respeitar o direito adquirido dos já integrantes da carreira e dos já aprovados em concurso. A nova lei não deve retroagir para prejudicar, só deve retroagir para beneficiar.

3ª-Critérios de avaliação.

A lei atual define os critérios de avaliação no artigo 8 abaixo transcrito.

Artigo 8° – Para os integrantes da série de classes de Pesquisador Científico, acesso é a elevação do cargo à classe de nível imediatamente superior, dentro do respectivo Quadro, com base na classificação obtida em processo especial de avaliação de prova, trabalhos e títulos, na forma que vier a ser estabelecida em decreto, mediante proposta da Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral. (NR)

– “Caput” com redação dada pela Lei Complementar n° 764, de 25/11/1994.

O PLC 9 (substitutivo) propõe no Art. 7:

Artigo 7º- A Avaliação Especial de Desempenho tem por finalidade verificar a aptidão e capacidade para o exercício das atribuições inerentes ao cargo, com foco nos seguintes aspectos: I- assiduidade; II- disciplina; III- capacidade de iniciativa; IV- responsabilidade; V- comprometimento com a administração pública; VI- eficiência; VII- produtividade; VIII- aptidão em pesquisa científica; IX- condições adequadas de saúde física e mental.

Parágrafo 2º – A Avaliação Especial de Desempenho será promovida pela Comissão a que se refere o artigo 19 desta lei complementar na forma prevista em decreto.

Parágrafo 3º – Os critérios e o procedimento para implementação da Avaliação Especial de Desempenho de que trata o “caput” deste artigo serão estabelecidos em decreto.

Na lei atual (artigo 8º acima) os critérios para avaliação são: prova, trabalhos e títulos, todos com fundamento na atividade científica. E os critérios de avaliação são propostos pela CPRTI. No PLC 9 os critérios de avaliação são 9 sendo Apenas o VIII aptidão em pesquisa científica. Os demais são de natureza funcional. Acresce notar que o Art 7º parágrafo 3º do PLC 9 retira a exigência da atual lei (Art 8º acima) do critério de avaliação ser proposto pela comissão de avaliação. Isso retira dos pesquisadores científicos o direito de propor os critérios de avaliação científica, ou seja retira seu direito constitucional de autonomia, Art 207 parágrafo 2º da Constituição Federal. Este Art 7 do PLC 9, além de retirar a autonomia dos pesquisadores, transforma a comissão de avaliação em comissão gestora do funcionário público. Os itens de I ao VII e o IX do Art. 7º do PLC 9 são obrigações gerais funcionais que deveriam ser incluídas no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, Lei 10.261 de 28 de outubro de 1968 e a observância do seu cumprimento deve ser dos gestores, chefes, diretores e coordenadores, responsáveis pela assiduidade e demais obrigações funcionais. A CPRTI nunca interferiu, nem deve interferir, na administração dos institutos científicos. Ela apenas avalia o mérito científico, cabendo aos gestores das instituições fiscalizar e fazer cumprir os deveres funcionais comuns a todos funcionários públicos civis do Estado. Da forma proposta pelo PLC 9, a avaliação dos pesquisadores não será de mérito científico, será uma avaliação funcional feita pelas diretorias dos Institutos.

Compartilhe: