A possibilidade de venda de parte da Fazenda Santa Elisa, que abriga o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), acendeu um alerta para entidades ligadas à ciência. Isso porque o local concentra campos experimentais considerados referências internacionais na pesquisa do café.
Segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), o governo estadual considera vender uma gleba de 70 mil metros quadrados, denominada de São José, onde há a população mais antiga do mundo de plantas de cafeeiro arábica clonadas por cultura de tecidos.
Considerando que o instituto possui cerca de 700 hectares, a área cogitada para venda corresponde a 1% do total. A venda do terreno é permitida sem a necessidade de autorização da Assembleia Legislativa pela lei nº 16.388, de 2016.
Em nota enviada ao g1, a secretaria estadual de Agricultura e Abastecimento confirmou que realiza estudos para avaliar a viabilidade de venda de áreas pertencentes à pasta, mas garantiu que as áreas com pesquisas em andamento não serão alteradas.
‘Patrimônio incomensurável’, diz associação
A APqC ressaltou que a fazenda concentra o “maior banco de germoplasma de café do Brasil, um dos principais do mundo. A área experimental reúne cerca de cinco mil ‘acessos’, que são plantas de diferentes tipos de café, muitos considerados raros e em extinção”.
“Dentre as variedades obtidas a partir desse germoplasma, destacam-se todas as cultivares resistentes à ferrugem e, mais recentemente, ao bicho mineiro. Outros estudos apontam que há também variabilidade genética para tolerância à seca e ao calor, características fundamentais para enfrentamento dos efeitos causados pela emergência climática, que já estão acontecendo no Brasil”.
Ainda de acordo com a associação, 90% do café produzido no Brasil utiliza variedades desenvolvidas a partir desse banco de germoplasma. Além disso, o IAC está a caminho de se tornar a única instituição no mundo a desenvolver cultivar de café arábica sem cafeína nos grãos.
“Esta fazenda experimental é um patrimônio incomensurável do Estado de São Paulo, que precisa ser defendida não apenas por cafeicultores, que dependem destas pesquisas para seguir produzindo cada vez melhor, mas por todos os cidadãos brasileiros que zelam pela ciência e, principalmente, pela sociedade paulista que evoluiu e se fortaleceu no país a partir da cultura do café”, defendeu, em nota, Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC.
Professores manifestaram repúdio
Além da APqC, a Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Campinas (ADunicamp) também divulgou uma nota manifestando “indignação e repúdio diante da decisão do governo Tarcísio de vender a Fazenda Santa Elisa”.
“Com a venda do IAC, Tarcísio nega a ciência, nega a economia, e – pasmem! – nega a relação entre ambas; nega também a histórica de um Estado e de um País cuja identidade se constitui em grande parte a partir da cultura do café”, disse.
A associação classificou a possível venda como um “prejuízo incalculável, ao impossibilitar a continuidade de trabalhos científicos que vêm sendo desenvolvidos há décadas. Porque sim, a manutenção e a ampliação desse enorme germoplasma requer pesquisas de médio e longo prazo”.
‘Memória viva da agricultura’
A Fazenda Santa Elisa foi incorporada ao IAC em 23 de fevereiro de 1898 para a instalação de campos experimentais, que funcionavam originalmente como um laboratório prático da inovação do café e posteriormente outras culturas.
Segundo o arquiteto e urbanista Marcos Tognon, professor livre docente da Unicamp, a área permitiu ao IAC tornar o estado de São Paulo no maior exportador de café nas primeiras décadas do século 20 e serviu como modelo para a criação da Embrapa em 1973.
“A fazenda é uma memória – e aí eu acho que a palavra viva é fundamental. A memória viva da agricultura, da revolução agrícola do estado de São Paulo”, destacou Tognon.
“E hoje, com o problema ambiental, a Santa Elisa é fundamental para um equilíbrio hidrológico da cidade. Afinal, Campinas depende muito da água de subsolo, então imagina urbanizar aquela área. É totalmente na contramão de tudo. É contramão aos negócios do agro, à pesquisa, ambiental”, diz.
Com informações do G1 Campinas e Região. (Foto: Alessandro Torres/Correio Popular)