
Quatro pesquisadores do Instituto Butantan – Otávio Marques, André Tempone, Rogério Bertani e Camila Lorenz – esta atuando como jovem pesquisadora FAPESP – tiveram seus nomes incluídos na lista “World’s Top 2% Scientists”, uma das mais prestigiadas avaliações de impacto científico global. A lista, elaborada pela Universidade Stanford com base em dados da Elsevier, mapeia os 2% dos cientistas mais citados em suas respectivas áreas de atuação, considerando critérios como número de citações e produção científica ao longo da carreira.
Este reconhecimento internacional serve como um robusto indicador de que a ciência pública brasileira, mesmo em um contexto de desafios institucionais e escassez de recursos, mantém padrão de excelência e compete em pé de igualdade no cenário global. A presença desses cientistas em uma lista que abrange todas as áreas do conhecimento evidencia a qualidade e a relevância das pesquisas conduzidas no Instituto Butantan.
Para conhecer as trajetórias e os trabalhos desses profissionais, a Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) conversou com cada um deles. A seguir, apresentamos um perfil de cada pesquisador, construído a partir de suas próprias palavras.
Camila Lorenz: Da biologia de vetores à saúde planetária
A pesquisadora Camila Lorenz construiu uma trajetória científica interdisciplinar, transitando da biologia para a epidemiologia e a modelagem espacial de doenças. Ela explica que esse percurso foi sendo moldado pela necessidade de compreender as doenças transmitidas por vetores de forma integrada. “Desde os mecanismos biológicos até os fatores ambientais e sociais que influenciam sua distribuição”, detalha.
Sua base foi construída no estudo da ecologia e do comportamento de mosquitos vetores durante o doutorado, sob orientação do professor Lincoln Suesdek. Essa etapa foi fundamental, não só pelas técnicas moleculares aprendidas, mas pelo convívio com o orientador, que “sempre estimulou o pensamento crítico, a autonomia e a busca por abordagens integrativas”.
A transição para temas mais aplicados, como vigilância epidemiológica, não foi simples. Ela enfrentou o desafio de adquirir novas competências em análise espacial e programação, além do desafio institucional de dialogar com equipes multidisciplinares. “Essa transição ampliou meu olhar sobre os determinantes ecológicos e sociais das doenças vetoriais”, reflete, permitindo que sua pesquisa se tornasse mais aplicada e relevante para o enfrentamento de problemas concretos.
Atualmente, no Butantan, ela coordena um projeto Jovem Pesquisador FAPESP voltado à investigação da circulação de arbovírus – desde os mais conhecidos, como dengue e Zika, até vírus emergentes como Oropouche e Mayaro. O projeto adota uma abordagem “One Health” (Uma Só Saúde), integrando a análise de vetores, hospedeiros animais e fatores ambientais.
Para Camila, a ciência brasileira tem um papel estratégico na mitigação dos impactos das mudanças climáticas na saúde. “O país possui uma biodiversidade única e uma rede de pesquisadores altamente qualificados, o que permite gerar conhecimento local essencial”, afirma.
Sobre a inclusão na lista dos mais influentes, ela a vê como uma honra e uma responsabilidade. “Mais do que um reconhecimento individual, considero que ele reflete o trabalho coletivo de todos os colaboradores, estudantes e instituições”. Para ela, o destaque reforça a relevância de pesquisas que integram biologia, epidemiologia e mudanças ambientais em um momento crucial.

Otávio Marques: A ciência a serviço da conservação das serpentes
O interesse do pesquisador Otávio Marques por serpentes surgiu na graduação, atraído pelas especializações, hábitos e estratégias desses animais, que ainda são pouco compreendidos e vistos com preconceito. Paralelamente, a Mata Atlântica sempre o fascinou pela riqueza em biodiversidade e por ser o cenário mais acessível para suas pesquisas.
Seu trabalho com populações de serpentes em ilhas, como a jararaca-ilhoa da Ilha da Queimada Grande, é um exemplo de como ecologia, evolução e conservação são inseparáveis. “A ecologia ajuda a entender como as serpentes vivem. A evolução explica como essas populações se tornaram diferentes. E a conservação é o ponto que integra tudo isso”, explica. Compreender esses processos é essencial para avaliar riscos e propor medidas que garantam a sobrevivência de espécies endêmicas e ameaçadas.
Otávio é um firme defensor da divulgação científica, tendo lançado livros como “Nossas Incríveis Serpentes”. “Acredito que a divulgação científica é parte fundamental do trabalho do pesquisador. A ciência precisa chegar às pessoas para inspirar, esclarecer e também para combater desinformações”, afirma. Ele se preocupa especialmente em gerar materiais para o público infantil, pois “são as crianças que vão ser o futuro, e se não crescerem compreendendo a importância da conservação… não há como esperar que protejam o que nem sabem que existe”.
Em sua trajetória no Instituto Butantan, ele encontrou desafios para desenvolver a zoologia de serpentes. “Quando entrei… o foco das direções estava prioritariamente na produção de vacinas e pesquisas biomédicas, e o estudo da biologia dos animais ocupava uma posição secundária”. Ele vê nisso um reflexo de um problema mais amplo: a pesquisa básica, que sustenta todo avanço científico, ser frequentemente colocada em segundo plano.
Sobre o reconhecimento pelo Top SCINET, Otávio enxerga um significado coletivo. “Ver vários zoólogos brasileiros incluídos nesse ranking evidencia que a zoologia brasileira é de elevado nível”. Ele ressalta que a pesquisa em zoologia tradicionalmente tem menos citações, e a inclusão na lista comprova que o Brasil gera uma base de conhecimento sólida e de qualidade, com impacto global. “Também reforça a importância de manter investimentos em pesquisa básica”, conclui.

André Tempone: A busca incansável por fármacos para as doenças negligenciadas
A motivação do pesquisador André Tempone é clara: desde cedo, quis usar seu conhecimento para ajudar populações menos privilegiadas. Ele escolheu atuar em doenças tropicais negligenciadas, como Doença de Chagas e Leishmaniose, consciente de que o setor privado não tem interesse econômico nessas doenças. “Só em um instituto de pesquisa (ou universidade) eu poderia estudar doenças negligenciadas”, relata.
Sua linha de pesquisa foi inspirada por uma frase que ouviu no ensino médio: “tem uma farmácia embaixo do oceano”. Esse insight o guiou por uma longa trajetória de formação até iniciar sua busca por compostos químicos na biodiversidade marinha capazes de matar parasitas.
Um de seus estudos mais divulgados identificou um composto extraído do coral-sol, uma espécie invasora, com atividade potente contra o parasita da Doença de Chagas e sem toxicidade para células humanas. “Uma toxina pode ser um medicamento, dependendo da dose administrada. A toxina botulínica (botox) é um exemplo”, ilustra. A pesquisa, que foi tese de sua aluna de doutorado, agora busca sintetizar o composto em parceria com um grupo de Oxford para dar continuidade aos estudos.
Tempone defende que a biodiversidade é uma fonte enorme de protótipos farmacêuticos, e por isso busca moléculas em diversas fontes, sempre trabalhando em parceria. Sobre os gargalos para transformar um composto em droga, ele é realista: “A indústria busca lucro, simples assim. E estas doenças não geram lucro”. A saída, para ele, está no fortalecimento de instituições públicas. “O Instituto Butantan deverá assumir o laboratório farmacêutico do Estado de São Paulo (FURP) com foco em inovação… Esse poderá ser um caminho”.
Ao comentar sobre a infraestrutura para pesquisa, ele é enfático: “Olhar para a pesquisa é olhar para o futuro das próximas gerações… Um governo inteligente investe nisso”. Ele credita a excelência da pesquisa paulista à FAPESP e alerta: “O que falta aos institutos de pesquisa? Atualmente incentivo a carreira de pesquisador, caso contrário, nunca teremos o protagonismo”.
Sobre o reconhecimento, ele o vê como um estímulo crucial em um contexto de salários defasados. “Ter reconhecimento acadêmico é fruto de muita dedicação… E devo este reconhecimento ao trabalho árduo dos alunos sob minha orientação”. Ele finaliza com um misto de orgulho e alerta: “O Brasil tem muitos pesquisadores de excelência… e para formar novas gerações… temos que investir agora, dar oportunidade aos jovens, atrair os futuros cientistas”.

Rogério Bertani: A curiosidade que construiu uma carreira em defesa da taxonomia
A trajetória de Rogério Bertani com os aracnídeos começou na infância, transformando o medo inicial em busca por conhecimento. Sua curiosidade o levava a visitar o Instituto Butantan ainda na década de 1970 para identificar aranhas, decisivas em sua escolha pela Biologia. Um triste acidente em sua infância, no qual perdeu a visão de um olho durante um experimento científico caseiro com ácido sulfúrico, não abalou sua determinação.
Como especialista em caranguejeiras, Bertani é um defensor intransigente do valor da taxonomia clássica. “Sem a delimitação e identificação das espécies fica difícil desenvolver trabalhos com seres vivos em diversas áreas da ciência”, argumenta. Ele exemplifica: na toxicologia, a mistura de venenos de espécies distintas leva a conclusões erradas; na saúde pública, a identificação morfológica rápida do escorpião é crucial para o tratamento.
Ele manifesta profunda preocupação com o futuro da ciência pública. “Vejo com preocupação a situação atual… Principalmente pela falta de perspectivas para os mais jovens”. Ele descreve um cenário onde pesquisadores se aposentam sem reposição de vagas, e doutores formados com investimento público acabam desamparados, emendando pós-doutorados sem perspectiva de emprego. “É urgente que essa questão seja resolvida por meio de concursos para pesquisadores e também para pessoal de apoio. Mas o que temos visto, principalmente no estado de São Paulo, é o contrário”, alerta.
Sua pesquisa articula a descrição de espécies com a conservação. “A simples descrição de uma espécie antes desconhecida contribui para a sua conservação, pois até o momento da publicação essa espécie não existia oficialmente”. Através de análises cladísticas, ele busca entender o relacionamento evolutivo das espécies, podendo prever distribuições e detectar áreas de endemismo que merecem proteção.
Sobre o reconhecimento pela lista da Stanford, Bertani tem uma visão crítica e reflexiva. “A princípio, não sou favorável a esses rankings e classificações meritocráticas”, diz, explicando que eles podem incentivar a competição em detrimento da colaboração e fomentar táticas para inflar métricas. No entanto, pondera que a metodologia usada, que valoriza a produção individual e minimiza as autocitações, pode tê-lo favorecido. “Acredito que tenha sido incluído nessa lista pelo fato de ter várias monografias e artigos produzidos como único autor, ou como autor principal”.

Bruno Ribeiro, para a APqC