Já pensou em percorrer 100 hectares de floresta amazônica durante 24 horas, tentando reunir a maior quantidade possível de informações a respeito de espécies da fauna e flora? Esse foi o desafio proposto na final do XPRIZE Rainforest, iniciativa global voltada para o mapeamento da biodiversidade em florestas tropicais ao redor do mundo, que teve a participação de mais de 300 equipes científicas de 70 países. O anúncio dos times vencedores ocorreu durante a reunião da Cúpula do G20, no dia 15 de novembro, e a equipe brasileira, batizada de Brazilian Team, ficou em terceiro lugar. Foi a primeira vez que um grupo da América Latina chega a uma final da competição.
A receita para essa conquista está em uma equipe multidisciplinar: uma combinação de zoólogos, botânicos, especialistas em robótica e mais uma lista longa de profissionais com formações em diversas áreas. O time brasileiro contou com pesquisadores do Instituto Butantan, da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de várias universidades federais e outras instituições espalhadas no território nacional e até de outros países, como Colômbia, Estados Unidos, Reino Unido e França.
“Hoje trabalhamos online, e a distância não é mais um problema. Fomos atrás de pessoas competentes, que conheciam bem as áreas e eram boas de trabalho em grupo. Esse era um requisito importantíssimo: trabalhar junto a longo prazo. Conseguimos montar essa equipe sensacional com capacidade técnica e de conhecimento”, afirma o coordenador do Brazilian Team e professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, Vinícius Castro Souza.
Não à toa, foi necessário recorrer a todo conhecimento possível durante a competição. O mapeamento de 100 hectares de florestas tropicais tornou-se mais desafiador pelo fato de as equipes não terem acesso presencial às áreas estudadas. O Brazilian Team montou uma estratégia complexa que envolvia o uso de drones com diversos equipamentos acoplados, como as câmeras termais para a localização e estudo das espécies.
Vinícius pontua que agregar conhecimentos foi fundamental ao longo da XPRIZE Rainforest. “Esse desafio contou com a tecnologia de drones e robôs terrestres. Como humanos não são permitidos na área, coletamos dados e amostras de forma remota, por meio destas estratégias. Como botânico, essa não é a minha especialidade. Por isso, procuramos uma equipe de robótica que topasse participar do desafio.”
Conhecimentos adquiridos
Outro método para reconhecer os organismos aplicado pelo Brazilian Team foi o uso de DNA ambiental. Os robôs coletavam amostras de fragmentos de DNA nas florestas e, com base em repositórios internacionais de material genético, como o GenBank, a equipe conseguia reconhecer as espécies locais. A expertise de alguns cientistas do Butantan foi crucial nesse processo.
Otavio Marques, pesquisador do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEV) do Instituto e um dos integrantes da equipe brasileira, conta que, inicialmente, os cientistas levantaram todos os dados sobre os animais aquáticos – trabalho realizado também pelo pesquisador do LEEV Hebert Ferrarezzi. “Nós sabíamos que da água viria muita informação e fomos atrás de amostras de tecidos de animais aquáticos no Museu de Zoologia [da USP] para tentar complementar o banco de dados já existente. Esse trabalho prévio de enriquecimento do GenBank foi fundamental para podermos identificar a quem pertencia o DNA encontrado”, explica Otavio.
Passado o desafio, a ideia do pesquisador é seguir com o uso de drones para facilitar os trabalhos em campo. Com a tecnologia, é possível otimizar os esforços dos biólogos para a localização e identificação de espécimes ameaçadas de extinção, por exemplo. “Usando o drone com câmera termal é possível, por exemplo, entender o que está acontecendo no dossel de uma floresta, o que é difícil de ser feito pelas técnicas usuais. Atualmente, quando fazemos uma amostragem em campo, encontramos alguns vertebrados a até cinco metros de altura. Acima disso, é complicado, pois a detecção torna-se difícil. Provavelmente teremos uma amostragem melhor e até estimativas populacionais e de deslocamento de animais, incluindo as serpentes”, completa.
XPRIZE Rainforest
Iniciada há cinco anos, a competição aconteceu em etapas, com a última delas realizada em território brasileiro, na floresta amazônica. Na primeira fase, de registro e qualificação, realizada em 2019, os times apresentaram as propostas de tecnologia capazes de mapear a biodiversidade em florestas tropicais de forma escalonável, rápida e eficaz. Após esta análise, em 2023, as 15 equipes selecionadas para as semifinais fizeram simulações em campo. Essa etapa, realizada em uma floresta de Singapura, exigia a avaliação da precisão das tecnologias sugeridas para a coleta de dados de biodiversidade em campo.
A etapa final, com a floresta brasileira como sede, reuniu seis grupos de cientistas dos Estados Unidos, Suíça, Espanha e Brasil. O Brazilian Team, que ficou em terceiro lugar, ganhou US$ 500 mil como premiação. A segunda colocada, Map of Life (EUA), recebeu US$ 2 milhões, e a campeã, Limelight Rainforest (EUA), angariou o valor máximo de US$ 5 milhões.
Segundo Vinícius, o valor arrecadado será revertido para estudos e ampliação do banco de dados de espécies da fauna e flora. “Sou taxonomista vegetal e brinco que estou ajudando nesse processo de extinguir a minha profissão no futuro, porque estamos tentando desenvolver ferramentas que identifiquem as plantas da natureza usando apenas fotografias e inteligência artificial. Ao mesmo tempo, fica evidente o quão importante é que hoje tenhamos pessoas trabalhando na identificação de plantas, se não essa tecnologia não funciona”, finaliza o coordenador do time brasileiro.
A premiação foi custeada pela Fundação Alana – instituição brasileira para o desenvolvimento de ações sustentáveis e socioambientais – e desenvolvida pela XPRIZE Foundation, organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos que promove competições que fomentam a inovação científica e tecnológica em diversas vertentes, como mudanças climáticas, saúde e exploração espacial.
Fonte / Foto: Carolina Mangieri (Instituto Butantan)