
Por Bruno Ribeiro, para a APqC
A pesquisadora Raffaella Rossetto (na foto, à esquerda), do Instituto Agronômico (IAC), acaba de ser reconhecida como uma das sete personalidades globais mais influentes do setor sucroenergético pelo Prêmio Sugar Notables 2025, concedido pelo Sugar Journal. Única brasileira entre os homenageados, ela representa não apenas a excelência da pesquisa agropecuária nacional, mas também a resistência de uma carreira dedicada à ciência pública em meio a desafios políticos e cortes de investimentos.
A premiação, que destacou seu trabalho em nutrição da cana-de-açúcar e manejo sustentável de resíduos como a vinhaça, surpreendeu a própria cientista. “Jamais pensei que poderia ser reconhecida internacionalmente como pesquisadora”, confessou. O prêmio, no entanto, não foi apenas uma conquista pessoal, mas um símbolo da força da pesquisa brasileira — e das barreiras que as mulheres ainda enfrentam no setor. Rossetto, que também integra a Academia Brasileira de Ciências Agronômicas (ABCA), vê sua trajetória como uma missão coletiva. “Este prêmio precisa ser dividido com todas as minhas colegas pesquisadoras científicas do IAC e dos demais institutos”, afirmou.
Seus estudos revolucionaram o tratamento dos resíduos da indústria sucroenergética. A vinhaça, antes considerada um problema ambiental, hoje é peça-chave na produção sustentável. “A cadeia segue: do metano gerado pela biodigestão da vinhaça, produz-se hidrogênio e, depois, amônia verde — um fertilizante com menos emissões”, explicou. Essa abordagem integrada rendeu ao Brasil reconhecimento como líder em bioenergia, tema que ela defende em fóruns internacionais, como sua recente participação em Jakarta, na Indonésia, para discutir cooperação técnica com a ASEAN.
A pesquisadora também destacou o papel da inteligência artificial e da agricultura de precisão na otimização da nutrição da cana. “Os drones, sensores e sistemas de taxa variável já são realidade, mas precisamos de mais investimento em pesquisa para consolidar essas ferramentas”, disse. Ela citou o RenovaBio, política brasileira de créditos de descarbonização, como modelo a ser replicado globalmente: “Incentivos à bioenergia e à agricultura de baixo carbono são essenciais para a transição sustentável”.
O desmonte da pesquisa pública
Apesar dos avanços científicos, Rossetto expressou preocupação com o PLC 9/2025, proposta do governador Tarcísio de Freitas que deverá ser votada em breve na Alesp e que, entre outras coisas, extingue a CPRTI (Comissão Permanente de Regime de Tempo Integral) e desestrutura a meritocracia nos institutos paulistas. “A proposta é um retrocesso. A falta de diálogo e os salários defasados desestimulam os pesquisadores e ameaçam a sobrevivência de instituições como o IAC”, criticou.
Sobre as tentativas do governo de São Paulo de vender terras do IAC, ela foi enfática: “Sou contra. A pressão urbana inviabiliza a pesquisa, e essas áreas poderiam ser usadas para educação ambiental e divulgação científica”. A Estação Experimental de Jaú, onde trabalha, é um exemplo de como unidades de pesquisa podem conciliar ciência e interação com a comunidade.
Para os jovens cientistas, Rossetto deixa um conselho: “Os conceitos são tão importantes quanto as práticas, pois estes permanecem”. Ela enfatiza a necessidade de formação multidisciplinar, incluindo sustentabilidade, inteligência artificial e ética profissional. “A agricultura do futuro exigirá empatia, trabalho em equipe e compromisso com o bem comum”, concluiu.
Entre prêmios internacionais e alertas sobre o desmonte da ciência pública, Raffaella Rossetto personifica a luta por uma pesquisa agronômica inovadora e socialmente relevante. Seu reconhecimento global é um lembrete do valor dos institutos públicos — e do risco que correm quando deixam de ser prioridade.
Clique aqui para ler na íntegra a entrevista concedida por Raffaella Rossetto.