Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

Atua na defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa Científica do Estado de São Paulo

Fazenda Santa Elisa íntegra, pública e rural é mais benéfica

Divulgação / IAC

Carlos Jorge Rossettorossetto1939@gmail.com

Analiso a cogitada idéia do Governo do Estado de São Paulo em 2024 de vender para o setor privado uma parte denominada São José, da Fazenda Santa Elisa do Instituto Agronômico de Campinas, IAC. Formado engenheiro agrônomo fui contratado pelo IAC para fazer pesquisa em 17 de dezembro de 1961 e fui aposentado 48 anos depois, em 31 de outubro de 2009, quatro dias antes da aposentadoria compulsória.

O IAC era a melhor instituição planetária para fazer melhoramento vegetal devido à sua estrutura adequada, com um Instituto sede em Campinas e uma rede de estações experimentais para fazer avaliações regionais e também devido à privilegiada localização planetária do Estado de São Paulo que permite cultivo em seu território de espécies vegetais de clima temperado, como figo e uva e de espécies de clima tropical, como cana e café, tendo uma das agriculturas mais diversificadas do planeta.

Como resultado da sua competência o IAC forneceu aos agricultores cultivares de mais de cinqüenta culturas como, café, algodão, arroz, feijão, soja, milho, sorgo, amendoim, trigo, cana, batata, mandioca, batata doce, seringueira, plantas aromáticas, plantas medicinais, pimentão, tomate, uva, pêssego, nêspera, macã, pera, caqui, ameixa, abacaxi, goiaba, frutas cítricas, macadâmia, manga, banana, maracujá, romã, palmito, bambu, rami e muitas outras espécies vegetais tornando a agricultura paulista uma das mais diversificadas e rica do planeta. Vale citar neste curto texto exemplos magníficos desses feitos históricos do IAC. O cafeeiro tem na África sua origem, mas as cultivares de café do IAC, devido sua excelência, se espalharam por todo o Brasil e pelo exterior.

A Costa Rica desenvolveu sua cafeicultura graças as cultivares de café do IAC. A cultura da seringueira, espécie amazônica, no Estado de São Paulo atingiu a maior produtividade por área do planeta, superando tradicionais produtores como Tailândia, Malásia e Indonésia, graças ao trabalho de melhoramento continuado por três gerações de cientistas do IAC. A introdução e o melhoramento da soja pelo IAC foi tão eficiente que a cultivar IAC 2 já era cultivada no cerrado de Brasília em 1973 quando a EMBRAPA criou seu Centro do Cerrado.

O IAC já tinha desenvolvido tecnologia para cultivar o cerrado brasileiro antes da existência da EMBRAPA. Em 1961 o IAC era uma potência tecnológica e em 2024, depois de ter sofrido um desmonte paulatino durante 62 anos, luta pela sobrevivência e contra a venda de seu patrimônio em Campinas e das estações experimentais. A cogitada venda de uma parte da Fazenda Santa Elisa em 2024 é apenas um episódio da longa luta histórica do IAC para continuar fazendo pesquisa pública em benefício do povo brasileiro. Como todo efeito tem causa, vou analisar as causas desse desmonte histórico da pesquisa pública do IAC. Em 1961 havia paridade entre os institutos de pesquisa do estado e as universidades estaduais. 

Havia uma única Comissão permanente do Regime do Tempo Integral CPRTI, subordinada diretamente ao governador, composta por dois pesquisadores indicados pelos institutos, três professores indicados pela universidade, USP e dois membros de livre nomeação do governador (Lei 4.477 de 24 de dezembro de 1957). Governador interino editou o decreto 40.687 de 6 de setembro de 1962, criando nova comissão de Regime de Dedicação Integral de Docência e à Pesquisa, RDIDP, subordinada ao reitor, com níveis superiores de vencimento para os professores universitários. O nível 1 do tempo integral por exemplo, para os pesquisadores era 100% e para os professores passou a ser 140%. Foi criada uma dicotomia desastrosa para a ciência do Estado de São Paulo claramente competitiva entre universidades e os institutos de pesquisa, que sendo menos poderosos foram sendo paulatinamente desmontados.

A lei do nicho ecológico, quando duas espécies competem e ocupam o mesmo nicho a mais adaptada elimina a menos adaptada, funciona também na administração, quando duas instituições competem e ocupam o mesmo nicho administrativo, o Estado, a menos adaptada é eliminada. Foi o que aconteceu com o IAC e demais institutos de pesquisa do Estado, foram definhando devido a competição desigual dentro do corpo do Estado. Doze anos depois de editado esse nocivo e ilegal decreto o salário dos professores universitários era três vezes superior ao dos pesquisadores e no período de 1969 a 1975, 71 pesquisadores, quase a metade dos pesquisadores do IAC, pediram exoneração ou afastamento do IAC¹.

Para sanar esse problema salarial foi sancionada pelo governador Paulo Egidio Martins a Lei Complementar nº 125 de 18 de novembro de 1975, a carreira do pesquisador, carreira de mérito científico que deu fôlego ao IAC e permitiu sua sobrevivência. Um segundo fator que afetou o IAC foram duas leis federais sancionadas na década de 90, a lei de patentes, lei nº 9.279 de 15 de maio de 1996 e a lei de proteção de cultivares, lei nº 9.456 de 25 de abril de 1.997. A primeira legalizou a patente de genes que permitiu o patenteamento virtual de cultivares transgênicas e a segunda garantiu a proteção de cultivares. As grandes empresas sementeiras compraram as pequenas empresas brasileiras de melhoramento e seu único competidor ficou sendo a pesquisa pública como do IAC.

Setores de melhoramento tradicionalmente fortes do IAC que competiam com o mercado sementeiro privado fornecendo sementes genéticas de cultivares IAC como algodão, soja e trigo foram desmontados e até extintos. A estratégia política passou a ser a privatização da pesquisa pública para eliminar a competição do melhoramento público com o setor sementeiro privado.

Depois de algumas tentativas frustradas de privatização do IAC e da EMBRAPA a estratégia de eliminação do concorrente público pela privatização das instituições foi inteligentemente alterada. Ao invés de propostas de privatização dos institutos públicos de pesquisa dos anos 90 surgiu no início dos anos dois mil nova estratégia de privatização da ciência pública, a inovação. Foi dada á sedutora palavra inovação um sentido jurídico desconhecido do público, que é privatização dos resultados da pesquisa pública paga pelo povo. Ou seja, inovar juridicamente significa privatizar o resultado da pesquisa pública, dar a uma pessoa privada o direito de exclusividade de uso e comercialização da tecnologia gerada pelo setor público. Através da inovação não foi necessário privatizar a instituição pública que continua sendo estatal, mas os resultados obtidos podem ser patenteados ou protegidos por pessoas jurídicas privadas, ou seja a pessoa privada tem exclusividade do direito de uso ou comercialização da tecnologia desenvolvida pelo setor público. A primeira lei federal de privatização dos resultados públicos foi a lei nº 10.973 de 2 de dezembro de 2.004 e a segunda é a lei nº 13.243 de 11 de janeiro de 2016.

Essas leis criaram um mecanismo que permite colocar o trabalho de melhoramento vegetal público a serviço do setor sementeiro privado. Ou seja, permite colocar o histórico trabalho de melhoramento vegetal público do IAC a serviço das grandes sementeiras multinacionais. Um terceiro fator que ameaça o IAC é o fato da Fazenda Santa Elisa, patrimônio histórico do IAC, estar hoje totalmente inserida na área urbana de Campinas, criando-se mais um forte interesse contrário ao trabalho público centenário do IAC, o interesse imobiliário. O quarto aspecto da luta histórica do IAC que deve ser analisado é a responsabilidade. Quem no governo é responsável pela ciência e tecnologia pública? Abaixo estão alguns artigos da constituição paulista sobre a ciência e tecnologia.

Artigo 268  O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica.

§1º  A pesquisa científica receberá tratamento prioritário do Estado…

Artigo 269 – O Estado manterá Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia com o objetivo de formular, acompanhar, avaliar e reformular a política estadual científica e tecnológica e coordenar os diferentes programas de pesquisa.

§1º  A política a ser definida pelo Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia deverá orientar-se pelas seguintes diretrizes:

3  aperfeiçoamento das atividades dos órgãos e entidades responsáveis pela pesquisa científica e tecnológica;

§2º  A estrutura, organização, composição e competência desse Conselho serão definidas em lei.

Pelo disposto nesses artigos a conclusão é que o responsável na estrutura do estado pela formulação, acompanhamento, avaliação, reformulação e coordenação dos programas de ciência e tecnologia, ou seja pela administração da ciência e tecnologia, é o CONCITE. O problema é que o CONCITE do ponto de vista legal não existe. A lei que, nos termos do Art 269 §2º, deveria ter criado o CONCITE, depois de 35 anos nunca foi feita. O atual CONCITE é ilegal, foi criado por decreto. A missão de formular, acompanhar, avaliar e reformular a política estadual da ciência e tecnologia, prevista no Art. 269, depois de 35 anos nunca foi executada pelo CONCITE. Ao invés de receber tratamento prioritário do Estado, nos termos do Artigo 268 §1º a pesquisa científica do IAC durante 35 anos da vigência desse artigo foi sendo desmontada. É evidente que o Estado de São Paulo e também o governo federal não administram a ciência e tecnologia. Administração da ciência e tecnologia existe internamente nas instituições brasileiras de ciência, universidades e institutos, cada uma cuida da sua administração, mas a nível de governo não existe administração de ciência e tecnologia no Brasil.

A ciência e tecnologia do Estado de São Paulo não tem administração e a estrutura da ciência paulista é competitiva, não tem organicidade, sistemicidade e os institutos de pesquisa estão sendo eliminados. O problema da organização da ciência paulista e brasileira é complexo, precisa ser debatido e solucionado para que a ciência pública brasileira possa ser fortalecida. 

Quanto à área da Fazenda Santa Elisa que se cogita vender, não se sabe até o momento para qual finalidade, mais benéfico para o povo campineiro, paulista e brasileiro é mantê-la como área pública e rural, com a manutenção e continuidade das pesquisas em andamento e implantação de novos projetos de impacto econômico, ambiental e social, como exemplo uma coleção de fruteiras.

A Fazenda Santa Elisa já tem uma das maiores coleções de espécies vegetais do Brasil. A adição de uma coleção de 500 a 1000 fruteiras diferentes, aberta para visitação pública na Fazenda Santa Elisa, seria um patrimônio público de valor econômico, ambiental, social e turístico para Campinas e para o Estado muito superior a qualquer empreendimento privado.

1- ROSSETTO, Carlos Jorge. A situação do Instituto Agronômico. Ciência e Cultura. 28(10):1.149-1.154, 1976.

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