
Bruno Ribeiro, para a APqC
Em um momento em que o governo de São Paulo avança com o polêmico PL 9/2025 — projeto que extingue mecanismos de meritocracia científica e congela carreiras de pesquisa por até 36 anos —, a trajetória do aracnólogo Rogério Bertani, do Instituto Butantan, serve como um alerta. Há três décadas dedicado ao estudo de aranhas e escorpiões, o pesquisador que revolucionou o conhecimento sobre espécies brasileiras hoje vê o próprio futuro da ciência pública sob ameaça.
“Estamos diante de um desmonte sem precedentes. O que será das linhas de pesquisa, desenvolvidas há anos, e que podem desaparecer? Será que a sociedade tem ideia do retrocesso dessas medidas?”, pergunta Bertani, que participou de protestos na Alesp organizados pela APqC contra a proposta. Para ele, a medida inviabiliza a atração de novos talentos e pode extinguir linhas de pesquisa históricas, como o estudo de animais peçonhentos — área que salvou milhares de vidas desde os tempos de Vital Brazil.
Abaixo, a conversa na íntegra com um dos maiores especialistas em aracnídeos do mundo — e uma das vozes mais críticas contra o esvaziamento da ciência paulista.
APqC – Desde quando o senhor atua como pesquisador no Instituto Butantan e por que decidiu seguir essa área?
Rogério Bertani – Ingressei como pesquisador em dezembro de 1994, depois de estagiar desde 1988, primeiro no Laboratório de Herpetologia e em seguida no Laboratório de Artrópodes. Eu me interessei pela zoologia e em seguida pela herpetologia e aracnologia desde muito cedo. Aos 11 anos eu saia da Zona Leste de São Paulo de ônibus com um amigo para ir ao Instituto Butantan, onde podíamos consultar a biblioteca e fazer alguns contatos. Na época eu levava aranhas para serem identificadas pela pesquisadora Vera Regina Von Eickstedt, que era a chefe do Laboratório de Artrópodes. Também coletava escorpiões-marrons, que encontrávamos perto de casa, para entregar ao Butantan. Em uma dessas coletas fui picado aos 14 anos e atendido no Hospital Vital Brazil do Instituto. Foi justamente o interesse em trabalhar com animais peçonhentos que me levou a estudar biologia.
Qual é a rotina de um aracnólogo em trabalhos de campo? Quais são os principais desafios ao coletar e estudar esses animais?
Os desafios são muitos. Montar uma equipe com pessoal treinado, separação de material para as coletas, como pinças, potes, algodão, álcool, caixas para transporte, roupa apropriada, botas, lanternas, pilhas, baterias, GPS, máquinas fotográficas. Planejamento da viagem, principalmente quando são para outra cidade ou estado: licenças de coleta, contatos com os parques ou proprietários dos locais, hospedagem, transporte, planejamento dos deslocamentos. Com o tempo sempre curto, atividades o dia inteiro, incluindo as noites e finais de semana, o cansaço bate. São períodos de grande desgaste físico e mental.
A profissão exige trabalho noturno e o enfrentamento de uma série de adversidades. O que o motiva a seguir nessa área, apesar das dificuldades?
Sim, as adversidades são muitas. Desde o clima, com possibilidades de chuvas que podem inviabilizar os trabalhos e trazer riscos. Dificuldades no transporte, estradas ruins. Há ainda o risco de contrair doenças endêmicas, acidentes com animais peçonhentos, acidentes nos deslocamentos em campo, por estradas mal cuidadas em locais remotos. Passagem por áreas em conflitos por terra, encontros com caçadores, madeireiros e garimpeiros. Se formos considerar todos os riscos não fazemos esse tipo de trabalho. Em 2018 desistimos de trabalho de campo na fronteira do Brasil com a Venezuela por sugestão de militares do exército. Não havia segurança nem para se locomover na área urbana da cidade. E há ainda todo o trabalho de logística para manter e trazer de volta os espécimes, que pode ser bastante burocrático quando envolve espécimes vivos. E o cuidado frequente para que não morram durante o transporte. Apesar de tudo, os trabalhos de campo são compensadores por permitir conhecer o Brasil real, profundo, não aquele turístico que muito habitantes das grandes cidades conhecem. É um aprendizado muito grande poder conviver com comunidades isoladas, locais de difícil acesso, conhecer as dificuldades e riquezas do Brasil. As belas paisagens, locais intocados com sua flora e fauna únicos. E as diferentes culturas. Além disso, são essenciais para trazer espécimes para as coleções científicas. Esses espécimes são a base para todos os trabalhos posteriores em laboratório. Espécimes coletados por naturalistas há 100, 200 anos, ainda são utilizados em trabalhos científicos e nos fornecem importantes informações sobre a fauna e as condições da natureza à época. Muitos espécimes foram coletados em locais que não existem mais. Regiões que foram urbanizadas, inundadas por lagos de hidrelétricas, ou viraram pastagens ou áreas agricolas. O que resta de informação biológica dessas áreas estão nessas coleções. O que é incorporado em uma coleção biológica hoje fornecerá informações preciosas para as futuras gerações nas próximas décadas e séculos, pois muitas dessas áreas irão desaparecer. Estamos obtendo e preservando agora registros que serão muito úteis no futuro.
O senhor destaca avanços no conhecimento sobre aranhas e escorpiões nos últimos 30 anos. Quais foram as principais descobertas nesse período?
Quando fui convidado para estagiar com aranhas-caranguejeiras em 1989 eu acreditava que não havia muito o que fazer, pois é um grupo pequeno quando comparado com as demais aranhas, em número de espécies. Menos de 10%. Eu me enganei completamente. Não se conseguia identificar quase nenhuma espécie e apenas poucos gêneros. Baseiavam-se em literatura das décadas de 1920, 1940, alguns poucos trabalhos mais recentes da década de 1970. Os especialistas eram raros e muitas espécies eram descritas por amadores em revistas voltadas ao comércio desses animais como pets. Um caos. A única exceção era uma revisão de 1985, quase incompreensível por se basear em análises filogenéticas, uma novidade na época. Iniciei meu mestrado em 1993 e dediquei-me a revisar um dos gêneros de aranhas-caranguejeiras mais comuns do estado de São Paulo. Para isso revi toda a coleção do Butantan, com mais de 10 mil espécimes (a maioria queimada no incêndio de 2010). A morfologia desses animais era pobremente conhecida nessa época. Passei a estudá-los comparativamente e encontrei uma série de caracteres morfológicos que podiam ser usados, principalmente nos órgãos sexuais dos machos. Acabei publicando em 2000 estudo que é amplamente utilizado internacionalmente por pesquisadores da área, o que colaborou para o conhecimento da fauna de aranhas-caranguejeiras em todo o mundo. Posteriormente, fiz o mesmo com o estudo da evolução das cerdas urticantes que muitas dessas aranhas possuem no abdome. Foi o meu doutorado. Essas cerdas, usadas pelas aranhas defensivamente, possuem morfologia distinta dependendo do grupo taxonômico, o que também pode ser usado na taxonomia. Quando incluídas em análises filogenéticas, que foi o que fizemos, temos ideia da evolução dessas cerdas nas espécies que vivem no continente americano. Juntando essas informações com as distribuições geográficas desses animais obtivemos um interessante painel evolutivo. O meu mestrado tornou possível a identificação de um importante gênero que ocorre principalmente no estado de São Paulo, chamado Vitalius. Foi a primeira revisão de espécies e análise cladística de aranhas-caranguejeiras (Theraphosidae) publicado no mundo, em 2001. Em 2022 terminamos a revisão das duas subfamílias de aranhas-caranguejeiras arborícolas das Américas. São as únicas duas subfamílias de aranhas-caranguejeiras completamente revisadas e com análises filogenéticas publicadas, em todo o mundo. Esses trabalhos tornaram possível identificar um considerável número de espécies, apresentar a distribuição geográfica, e, mais importante, uma vez vencidos os entraves iniciais, permitiu o surgimento de estudantes e pesquisadores, que agora tinham uma literatura básica e modelos para serem seguidos. Os entraves no entendimento da morfologia haviam sido superados, permitindo que outros grupos trabalhassem de forma semelhante, agregando conhecimento. Nos dias de hoje conseguimos identificar a maioria das espécies de aranhas-caranguejeiras que ocorrem no Brasil, que possui a fauna mais rica do mundo ! Quer dizer, o país com a maior biodiversidade é o que tem sua fauna de aranhas-caranguejeiras entre as mais bem estudadas. O Brasil é um modelo no estudo desses animais, principalmente devido aos trabalhos realizados no Instituto Butantan. Minha segunda linha de pesquisa são os aracnídios de importância em saúde. Apesar dos trabalhos realizados pelo Butantan há décadas, esses animais ainda são muito mal conhecidos. Para se ter ideia, o trabalho que era utilizado para identificar as aranhas-marrons (Loxosceles), aranhas de grande importância em saúde devido aos acidentes que provocam, foi publicado em 1967. Somente 9 espécies eram conhecidas no Brasil e isso permaneceu até 2002. Posteriormente, uma rica fauna dessas aranhas foi reconhecida, principalmente em cavernas do Nordeste brasileiro. De 2002 a 2025, 13 novas espécies foram descritas, e eu contribui com a descrição de 12 dessas espécies. A distribuição geográfica, importante para decisões que envolvem o tratamento de acidentados, não é conhecido para a maioria das espécies de Loxosceles. O mesmo acontece com as aranhas-armadeiras (Phoneutria), também de importância em saúde. Em revisão publicada em 2007 conseguimos definir e mapear as espécies que ocorrem em regiões não amazônicas do Brasil. E em 2017 foram mapeadas as 8 espécies que ocorrem no país. Apenas em 2024, na nova edição do Guia de Identificação de Animais Peçonhentos do Ministério da Saúde, conseguimos apresentar um mapa com a distribuição dos gêneros de aranhas de importância médica no Brasil. Mas ainda falta muita informação e pesquisa. Com relação aos escorpiões, a situação é muito pior. O número de acidentes sobe ano a ano, devido, principalmente, à expansão da distribuição de duas espécies, o escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) e o escorpião-amarelo-do-nordeste (Tityus stigmurus). Essas espécies são partenogenéticas e se adaptaram muito bem em viver em áreas urbanizadas. E são facilmente introduzidas em outras regiões, mesmo remotas, por meio do transporte de materiais e mercadorias. É um importante problema de saúde pública que tem ocasionado mortes, principalmente de crianças. Porém, existe muito pouca informação científica disponível sobre esses animais. E o conhecimento científico é a base de resolução de qualquer problema. E esse conhecimento se obtém principalmente por meio da pesquisa científica. Que não tem ocorrido na forma e na quantidade necessários para enfrentar o problema do escorpionismo. Temos poucos especialistas e pouco incentivo governamental. As ações se limitam ao trabalho das prefeituras em combater os escorpiões por meio de trabalhos de campo, muitas vezes de pouca eficácia, e na produção de soros pelo Instituto Butantan para tratar os acidentados. E a pesquisa científica, que poderia fornecer respostas e esse problema de saúde que aflige boa parte do Brasil e só tende a crescer, é insuficiente.
Como o estudo da hemolinfa (sangue das aranhas) pode contribuir para a medicina? Há pesquisas em andamento no Butantan sobre isso?
O sistema imunológico das aranhas é diferente do dos seres humanos. Ele é menos especializado, mas mesmo assim aranhas-caranguejeiras podem viver por mais de 20 anos, pois é um sistema eficiente. Esse sistema se baseia na produção de pequenas moléculas, os peptídeos, que são estudados por um colega do Butantan. Uma vez isolados do sangue da aranha e analisados quanto à suas estruturas, podem ser produzidos em laboratório e utilizados como antibióticos e anti-tumorais, por exemplo.
O senhor mencionou que espécies novas são rapidamente exploradas pelo tráfico. Como a ciência pode agir para proteger essas espécies antes que sejam comercializadas ilegalmente?
A lógica do tráfico é a do mercado capitalista. Espécies que são facilmente reproduzidas e amplamente comercializadas tem um preço menor. Espécies mais raras são mais cobiçadas pela sua exclusividade. Logo, espécies ainda não descritas, ou aquelas que foram encontradas mais recentemente, principalmente quando possuem alguma característica desejada, como cores vibrantes, alcançam maior preço. Espécies que já estão no mercado não dão muito lucro. A reprodução e o trabalho de cuidado em cativeiro para um preço de venda pequeno não é tão lucrativo. Já espécies exclusivas podem ter preços bem mais altos. E os detentores dessas espécies exclusivas se valem de técnicas como somente vender as fêmeas e jamais os machos, de forma a impedir que outros consigam reproduzir essas espécies. Assim, dominam o mercado. A ciência tem poucas ferramentas para coibir o tráfico. Os traficantes conseguem informações facilmente por meio de publicações cientificas, sites de ciência cidadã como o iNaturalist.org, ou grupos de redes sociais onde os cidadãos postam fotos de animais em busca de informações, muitas vezes pelo receio que possam causar envenenamento. Os traficantes se aproveitam desses grupos para se aproximar dessas pessoas e obter informações sobre o local de encontro do animal para posteriormente irem até lá, ou até mesmo convencem essas pessoas a enviarem os animais. Sem a participação e a vontade dos governos é muito dificil combater o tráfico. Principalmente quando se sabe que em muitos países a comercialização dos animais é livre. Uma vez que ingressam nesses países, como nos da Europa, um grande centro de comercialização, eles podem ser reproduzidos e vendidos livremente, sem nenhuma preocupação quanto à origem ilícita dos animais.
Por que aranhas arborícolas, como as da Chapada Diamantina, são especialmente vulneráveis ao desmatamento e ao tráfico?
Animais que dependem de árvores para sobreviver são mais vulneráveis pelo fato do desmatamento eliminar as árvores onde vivem. Muitas espécies não conseguem viver fora desse ambiente. Animais que vivem debaixo de pedras, em buracos no solo, por exemplo, tem uma chance maior de sobrevivência, mesmo após a eliminação da vegetação arbórea, uma vez que não são tão diretamente afetados. Já quanto ao tráfico, o fato de serem arborícolas não aumenta a chance do encontro e da comercialização.
Como o senhor descreveria o impacto do tráfico ilegal na conservação de espécies como a Typhochlaena chapadensis?
Dependendo da espécie o impacto pode ser grande. Muitas espécies demoram anos para atingir a maturidade sexual e vivem por décadas. Anos atrás foram apreendidos no Rio de Janeiro mais de 1000 aranhas-caranguejeiras que vinham do Paraguai e iam para o Reino Unido. Isso, sem dúvida causou um grande impacto na população da espécie na região onde foram retirados os espécimes. Muitas espécies são endêmicas (vivem em áreas muito pequenas) e podem ser severamente afetadas quando, além do tráfico, tem que enfrentar o desmatamento e outras mudanças ambientais. Há um outro impacto, que pode ser ainda maior, que é o da introdução das espécies comercializadas em locais onde não são nativas. É um problema bem conhecido desde meados do século passado. Espécies como o mosquito Aedes aegypti, o rato doméstico, a mosca, o caracol africano, o javali, que tantos problemas causam, não são nativos. Foram introduzidos de outros países em algum momento. É sabido que essas introduções causam grande prejuízo à agricultura (pragas agrícolas), à saúde pública (vetores de doenças, como o Aedes) e ao meio ambiente (espécies que competem com as nativas). Isso causa bilhões de reais de prejuízo à economia todos os anos; porém, é um problema negligenciado, na maioria das vezes. E o que faz o comércio de pets? Enviam e recebem animais exóticos, muitas vezes com características perigosas, o tempo todo, sem nenhum controle. O caso do acidente causado por uma serpente exótica, a Naja, em um veterinário do Distrito Federal em 2020 é um caso simbólico. Deveria ter provocado o surgimento de uma série de medidas governamentais para barrar esse comércio. Mas, o que aconteceu de prático? A qualquer momento veremos o surgimento de populações de serpentes venenosas, escorpiões, aranhas, trazidos ilegalmente por meio desse comercio de pets e que escaparam ou foram soltos no Brasil. O prejuízo econômico, à saúde pública e ao meio ambiente serão enormes. E o que o poder publico está fazendo? Em alguns estados estão liberando a criação desses animais. Não aprendemos nada com o caramujo africano, o javali, o Aedes e tantas outras espécies exóticas que agora vivem no Brasil? São vetores de doenças, pragas agrícolas, competem com nossa fauna, podendo causar extinções locais ou totais.
Quais são os maiores desafios para coibir o tráfico internacional de animais silvestres brasileiros, especialmente quando não estão na CITES?
O desafio é a falta de vontade política em reconhecer que há um problema. A lista do CITES é insignificante. Existe uma quantidade enorme de espécies sendo comercializadas e que não estão no CITES. Existem acordos internacionais, como a Convenção de Diversidade Biológica, que versa sobre repartição de benefícios de produtos obtidos a partir da biodiversidade. Porém, o interesse principal é financeiro. Querem saber se algum pesquisador patenteou algo a partir do estudo da biodiversidade que possa gerar recursos que devem ser repartidos, o que é correto. Porém, o primeiro objetivo dessa mesma convenção é a proteção da biodiversidade. E isso não tem ocorrido da forma necessária. Tanto é que o comércio ilegal de animais e plantas só cresce. Pior, por causa do potencial ganho financeiro pela produção de patentes, os pesquisadores que trabalham com biodiversidade tem tido que ultrapassar barreiras burocraticas enormes. Alguns já foram multados ou processados por não terem entregue algum relatorio, ou o material de estudo confiscado pela falta de um ou outro documento. Material morto, fixado em álcool, sem nenhum risco ao meio ambiente ou à agricultura nacional tem sido confiscados e incinerados em aeroportos pela falta de algum documento, como aconteceu recentemente. Enquanto isso, o tráfico de animais corre solto. O irônico é que serpentes, aranhas e escorpiões de muitas partes do mundo já estão nos países desenvolvidos, disponíveis para pesquisa farmacêutica. Eles foram levados para o exterior pelo tráfico de pets e são vendidos livremente. Originalmente, são traficados para servirem como animais de estimação, mas, uma vez no exterior, nada impede que sirvam à biopirataria.
O PLC 9/2025 extingue o RTI e a CPRTI — pilares da meritocracia científica — e impõe uma progressão na carreira de até 36 anos com salários defasados. Como o senhor avalia o impacto dessa proposta do governo, que desmonta a estrutura atual sem justificativa técnica e inviabiliza a atração de talentos, colocando em risco a sobrevivência dos institutos de pesquisa paulistas?
O desenvolvimento econômico de qualquer país depende do desenvolvimento científico e tecnológico. O Estado de São Paulo se desenvolveu economicamente devido aos investimentos e incentivos governamentais na ciência, com a criação de institutos de pesquisa e universidades que se tornaram referências mundiais. Não deveríamos estar lembrando a todo momento governantes, parlamentares e sociedade civil dessa importância vital para o estado e o país. Isso está registrado em nossa história. São fatos. Quando ingressei no Instituto Butantan a nossa carreira ainda era jovem e comemorada. Tive a oportunidade de ter conhecido pessoas importantes para a carreira, como a Dra. Alba Lavras e Bernardo Goldman, entre outros. Acompanhei a luta pela nossa valorização, as ameaças do neoliberalismo querendo transformar instituições em organizações sociais ou o fechamento de institutos ou partes desses institutos. Mas nada se equipara com o que vivemos nos últimos anos, com a extinção do Instituto Florestal, Instituto de Botânica, Instituto Geológico e SUCEN. Com a tentativa de vender áreas de pesquisa. E, finalmente, com a proposição de um PL que atinge duramente uma carreira de sucesso de quase 50 anos. Fico muito preocupado. O que será das linhas de pesquisa, desenvolvidas há anos, e que podem desaparecer? Será que a sociedade tem ideia do retrocesso dessas medidas? Fica aqui o exemplo do escorpionismo, um problema emergente, negligenciado, mas que aflige milhares de pessoas todos os anos, causando várias mortes, principalmente de crianças. Em concurso para ingresso de pesquisadores científicos em andamento no Instituto Butantan, de apenas 11 vagas, nenhuma foi dedicada ao estudo de animais peçonhentos. Com o envelhecimento dos pesquisadores atuais que irão se aposentar nos próximos anos, essa linha de pesquisa deverá se extinguir. Mas o problema está aí, só aumentando. A sociedade sabe disso? Sabe que uma das áreas de pesquisa do Brasil mais famosas em todo o mundo, o estudo dos animais peçonhentos, que é realizado há mais de um século no Instituto Butantan, iniciada pelas mãos do ilustre médico e cientista Vital Brazil, corre o risco de se extinguir por falta de concursos e pela alteração das regras da carreira de pesquisador científico?
Foto: Divulgação / Instituto Butantan)