Carolina Bori, Berta Gleizer Ribeiro, Aziz Ab’Saber e Johanna Döbereiner. Esses grandes nomes da ciência brasileira completam cem anos em 2024. Eles não apenas contribuíram para o avanço científico do País, mas também inspiraram novas gerações de cientistas. Por isso, mereceram menções especiais na sessão especial “Homenagem aos cientistas cujo centenário se comemora em 2024”, realizada na última quinta-feira (11/07) durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu de 7 a 13 de julho na Universidade Federal do Pará (UFPA).
A sessão foi coordenada por Fernanda Antônia da Fonseca Sobral, professora emérita do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB) e diretora da SBPC, e contou com a participação de Deisy das Graças de Souza, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Calos (UFSCar), Bianca França (FGV/RJ), doutora em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC/ CPDOC-FGV), Francisco de Assis Mendonça, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro do Conselho Consultivo da Cátedra UNESCO para o Desenvolvimento e Meio Ambiente, e Avílio Antonio Franco, pesquisador aposentado da Embrapa Agrobiologia e membro da Academia Brasileira de Ciências Agronômicas (ABCA).
Deisy Souza homenageou Carolina Bori, destacando seu papel crucial na consolidação da Psicologia como ciência na universidade e na sociedade, bem como sua contribuição para a Educação em todos os níveis. Carolina Bori foi presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e a primeira mulher a presidir a SBPC. “Ela irradiou conhecimento e colaboração com universidades, organizações científicas, agências de fomento e regulamentação”, declarou.
A pesquisadora enfatizou a atuação de Carolina Bori como educadora, sempre buscando formar pessoas que disseminassem e consolidassem o conhecimento científico no país. “Era por meio do ensino que Carolina queria atuar. Ela orientou centenas de jovens pesquisadores, contribuindo significativamente para a formação de professores e pesquisadores em psicologia, educação e outras áreas”.
Carolina Bori teve um papel decisivo na regulamentação da psicologia como ensino e profissão no Brasil e defendeu que a comunidade científica abordasse os problemas sociais do país. “Seja como pesquisadora, administradora ou professora, Carolina Bori exerceu e exerce uma enorme influência no planejamento de ensino no Brasil e na evolução dos estudos na área e na ciência do país.”
Bianca França considerou muito oportuno homenagear Berta Gleizer Ribeiro em uma reunião da SBPC com o tema “Ciência para um futuro sustentável e inclusivo: por um novo contrato social com a natureza”. A pesquisadora destacou a enorme contribuição de Berta Ribeiro para a etnologia brasileira no século 20, com discussões que permanecem atuais. “Ela defendia que os povos indígenas são ecólogos e que o uso social de seus conhecimentos tecnológicos poderia contribuir para uma vida harmoniosa com a natureza”, declarou.
Antropóloga, etnóloga e museóloga, Berta Ribeiro trabalhou no Museu Nacional e no Museu do Índio (hoje Museu Nacional dos Povos Indígenas), onde atuou como pesquisadora e formadora de coleções etnográficas, além de promover e publicar estudos museológicos. Como professora da UFRJ, ministrou disciplinas sobre arte indígena e cultura material e orientou alunos nesses temas. “Seu interesse pela ecologia e defesa das pautas indígenas são notórios”, destacou. “Ela mostrou que os saberes indígenas nos ensinam sobre sustentabilidade e respeito ao meio ambiente”.
Além disso, a pesquisadora ressaltou a participação das mulheres na construção das ciências sociais, destacando histórias frequentemente negligenciadas. “Homenagear Berta Ribeiro é homenagear todas nós que nos dedicamos à produção científica. Celebrar Berta Ribeiro e sua obra é celebrar todas as mulheres que dedicam suas vidas à pesquisa e educação, e que sua trajetória inspire muitas outras pesquisadoras!”
Aziz Ab’Sáber, renomado geógrafo brasileiro, dedicou sua vida à defesa do meio ambiente e à preservação da biodiversidade. Entre sua vasta produção, Francisco Mendonça destacou o Projeto Floram, que propõe o repovoamento da vegetação nativa em todos os biomas do país. “Na época, foi uma grande ousadia, pois visava repovoar as matas nas áreas essenciais ao equilíbrio ecológico em todo o território nacional”, ressaltou.
Ele afirmou que o projeto permanece atual, tanto que a SBPC, em parceria com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, lançou durante a 76ª Reunião Anual a plataforma “Floram — Aziz Ab’Sáber”, que visa formar um grupo de gestores e pensadores dedicados à restauração das paisagens brasileiras. “O Brasil, sendo o quinto maior país do mundo, tem nessa proposta uma imensa oportunidade de restaurar e defender áreas essenciais para o bem da humanidade”, afirmou.
Ele também destacou o engajamento político e social de Aziz Ab’Sáber, que foi presidente da SBPC (1993-1995) e liderou o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT) de 1982 a 1983, onde estabeleceu diretrizes cruciais para a política de preservação das reservas naturais em São Paulo. Sua influência na política científica e ambiental do Brasil foi profunda, marcada por um ativismo incansável e uma paixão duradoura pela pesquisa geográfica.
“Aziz Ab’Sáber foi um cientista que se dedicou a conhecer profundamente a diversidade do território brasileiro, suas paisagens naturais e dinâmicas, aplicando esse conhecimento de maneira detalhada no planejamento”. O geógrafo foi um defensor fervoroso do papel da ciência na tomada de decisões, alertando para os perigos de ignorar o conhecimento científico em prol de interesses momentâneos. Sempre incentivou a interação entre as diversas áreas da ciência, enfatizando o diálogo entre cientistas e a sociedade. “Ele ressaltava a interdisciplinaridade como uma perspectiva para conhecer e tratar os problemas da sociedade brasileira, além de ligar ciência com política, destacando a necessária interação entre cientistas e a sociedade”, concluiu.
Por fim, Avílio Franco homenageou Johanna Döbereiner, com quem trabalhou por cerca de 40 anos. Döbereiner insistiu no uso de microrganismos para promover a fixação biológica de nitrogênio, multiplicando a produtividade brasileira e alavancando a agricultura tropical, dando um novo alento na busca por competitividade frente a grandes mercados. Sua contribuição transformou o Brasil em um dos maiores produtores de soja do mundo.
“A competitividade de algumas espécies leguminosas no Brasil só existe porque são cultivadas sem a necessidade de adubo fertilizante nitrogenado, o mais caro no mercado atualmente”, apontou.
Ele explicou que Döbereiner estudou profundamente o uso de bactérias para impulsionar a fixação de nitrogênio na soja, permitindo ao Brasil eliminar o uso desses adubos químicos, resultando em uma economia anual de mais de US$ 2 bilhões. “Sua contribuição foi muito maior do ponto de vista da fronteira do conhecimento. Em 1995, ela foi a brasileira mais citada na comunidade internacional”, destacou Franco.
Ele enfatizou o papel da cientista na formação de pessoal, contribuindo para alavancar a ciência nacional e disseminar conhecimento. “Johanna Döbereiner não foi apenas uma cientista brilhante, mas também uma pessoa maravilhosa”, concluiu.
Fernanda Sobral encerrou a sessão destacando o papel das mulheres na ciência brasileira. “São três mulheres homenageadas, e há cem anos, ter três cientistas mulheres se destacando em suas áreas não era a regra geral”. Ela ressaltou que todos os cientistas homenageados buscaram o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, valorizando a interdisciplinaridade, e deixaram um legado significativo para a história da ciência brasileira. “A experiência desses cientistas é muito importante para todos nós”, concluiu.
Assista à sessão especial na íntegra: