Quem passar pela estação de trens Kings Cross até junho deste ano, em Londres, no Reino Unido, poderá conhecer os trabalhos de 50 pesquisadores de diversos países. A exposição fotográfica What does a scientist look like?, da editora Springer Nature, busca valorizar as diversas percepções da pesquisa científica. Uma das cientistas retratadas, apelidada de “encantadora de cobras”, representa o Brasil com orgulho: a bióloga Eletra de Souza, 32, doutoranda da Universidade de São Paulo (USP) que atua no Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEV) do Instituto Butantan.
A jovem cientista foi contatada pela Nature em 2021, no início do doutorado, para compartilhar sua trajetória acadêmica em artigo da revista, e foi uma das escolhidas para compor a atual exposição. Nos últimos anos, ela tem se dedicado a monitorar os movimentos de jararacas e jararacuçus na natureza e compreender o seu comportamento, com o objetivo de investigar estratégias para prevenir acidentes ofídicos em trabalhadores rurais – principal público afetado pelo problema, com 70% dos casos.
Além de ganhar destaque nas ruas londrinas, o trabalho de Eletra chamou a atenção dos moradores de sua cidade natal, São José dos Campos, e chegou a ser abordado no jornal O Vale. Mesmo não conseguindo ir até Kings Cross pessoalmente a tempo de ver a exposição, a jovem buscou entre amigos e colegas uma pessoa que conhecesse alguém (que conhecesse alguém) de Londres, e conseguiu obter o tão desejado clique do seu painel.
Aprender sobre serpentes é uma paixão antiga de Eletra. Aos 12 anos, durante uma excursão escolar ao aquário do Guarujá, litoral de São Paulo, um bicho super diferente chamou sua atenção: uma píton albina, caracterizada por sua bela coloração branca e amarela. O interesse por esses animais foi crescendo e a levou a escolher cursar Biologia a 300km de casa, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).
Após concluir a graduação, no final de 2014, Eletra ficou sabendo por um grupo da faculdade sobre a abertura do então Programa de Aprimoramento Profissional (PAP) no Instituto Butantan. Era o caminho perfeito para trabalhar com aquilo que mais desejava, em uma instituição mundialmente reconhecida pela pesquisa com serpentes. A jovem agarrou a oportunidade, fez prova e entrevista, passou com louvor e mudou-se para São Paulo no ano seguinte.
Orientada pelo pesquisador científico Otavio Marques, do LEEV, e Erika Zaher, diretora do Museu Biológico, Eletra finalmente realizou o sonho de trabalhar com serpentes. Seu projeto de pesquisa, que durou um ano e meio, foi um levantamento dos répteis e anfíbios que habitam a área verde do Parque da Ciência Butantan.
Ao concluir o PAP em 2017, Eletra conseguiu uma bolsa de treinamento técnico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para continuar no Butantan, dessa vez trabalhando em projetos de divulgação científica e atividades educativas no Museu Biológico.
No ano seguinte, ingressou no programa de mestrado em Biologia Animal da Universidade Estadual Paulista (UNESP), sob orientação da pesquisadora Selma Santos, diretora do LEEV, e desenvolveu um projeto sobre a reprodução da surucucu – a maior espécie de cobra peçonhenta do continente americano. Inclusive, seu encantamento pela surucucu foi tanto que ela mandou fazer uma pulseira especial com o mesmo padrão de cores do animal, amarela e preta, que usa diariamente.
“Trabalhei com as coleções zoológicas e analisei os órgãos reprodutivos de machos e fêmeas, usando biologia celular e histologia para descrever o ciclo reprodutivo do animal”, afirma. O trabalho de Eletra no mestrado resultou na publicação do seu primeiro artigo científico, na revista Acta Zoológica.
Rastreando serpentes
A dedicação às cobras não parou por aí – Eletra desejava compreender a movimentação dos animais e contribuir para a prevenção de acidentes ofídicos. Chegando ao final do mestrado, em outubro de 2019, ela fez a prova de doutorado em Ecologia da USP apenas para “ver como era” e se preparar para essa próxima etapa. Os candidatos tiveram que ler três artigos científicos e discutir sobre as metodologias e resultados. Para sua surpresa, Eletra passou em primeiro lugar.
“Vi aquele resultado e pensei: acho que é um sinal para eu continuar na pesquisa. Eu não tinha estudado, não tinha me preparado, e ainda não tinha projeto definido e nem orientador”.
A bióloga preparou o projeto e conseguiu como orientador o herpetólogo Marcio Roberto Martins, da USP, e sua eterna mentora Selma Santos como coorientadora no Butantan. Começou o doutorado em abril de 2020 – uma conquista que, devido à pandemia, foi diferente do que esperava. O projeto envolvia trabalho de campo para coletar e monitorar serpentes, mas as atividades externas estavam suspensas por questão de segurança.
Por isso, nos primeiros dois anos de doutorado, Eletra se dedicou à revisão sistemática de estudos já publicados sobre o tema, ajustou o projeto para submeter à FAPESP, refinou as metodologias, fez todas as disciplinas na modalidade virtual e um estágio de docência, além de pesquisar orçamentos dos equipamentos que precisaria para as viagens de campo.
Foi em 2022, após a vacinação e o controle da pandemia, que a cientista finalmente conseguiu colocar a “mão na massa”. Ela buscou compreender as razões fisiológicas que levam a serpente a se movimentar, a partir da análise dos hormônios. Para rastrear a movimentação, foram usados acelerômetros, pequenos dispositivos que eram mantidos nas serpentes durante dois meses.
“A ideia era verificar se o pico hormonal coincidia com o pico da movimentação. Analisei amostras de fezes, urina e troca de pele de 12 jararacas que haviam recém-chegado ao Butantan, portanto os dados fisiológicos eram referentes ao período que o animal estava na natureza”, explica.
Para auxiliar nas análises, Eletra obteve uma bolsa de doutorado-sanduíche nos Estados Unidos. Lá, passou por um laboratório especializado em endocrinologia e outro especializado em aprendizado de máquina e inteligência artificial – necessários para conseguir analisar os milhões de dados de movimentação gerados.
Os padrões de movimento das jararacas também são medidos na própria natureza: em uma fazenda na região do Vale do Ribeira, a cientista rastreia as serpentes durante o dia e à noite, usando radiotransmissores. Com isso, é possível identificar os pontos de maior risco de ocorrência de acidentes e desenvolver modelos preditivos no futuro.
“Dados ecológicos são fundamentais para deixar os modelos mais confiáveis. Saber o período de atividade do animal, onde ele costuma se movimentar, períodos ativos, de descanso… Tudo isso ajuda na prevenção de acidentes”, diz.
Com informações do Instituto Butantan