Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

Atua na defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa Científica do Estado de São Paulo

Alesp vota PL que corta benefícios de pesquisadores e ameaça autonomia científica

O banco de germoplasma de mandioca do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), referência mundial no estudo e preservação da espécie, completa 90 anos em 2025. O marco, porém, chega cercado de apreensão: o Projeto de Lei Complementar 9/2025, previsto para entrar na pauta da Assembleia Legislativa (Alesp) nesta terça-feira, 30, pode  colocar em risco a estrutura das pesquisas em 16 institutos públicos paulistas, inclusive o IAC.

Segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), a proposta, de autoria do governo estadual, extingue o Regime de Tempo Integral (RTI). A carga máxima passaria a ser de 40 horas semanais. A associação também demonstra descontentamento com a forma de remuneração, que eliminaria benefícios por tempo de serviço, como gratificações, quinquênios e sexta parte, e passaria a pagar pesquisadores por subsídio.

O texto também determina o fim da Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI), instância composta por representantes eleitos pelos próprios pesquisadores e responsável por avaliar e conduzir a carreira científica. Pelo novo texto, o governo prevê a substituição dessa comissão por uma outra, a Comissão Permanente de Desempenho e Desenvolvimento da Carreira, que seria composta por 12 membros, designados pelo governador a partir de uma lista de 24 nomes indicados pelos pesquisadores das Instituições de Pesquisa Científica e Tecnológica de São Paulo (ICTESP), além de um membro de livre escolha do chefe do Executivo.

Para a APqC, essas mudanças ameaçam diretamente os bancos de germoplasma criados ao longo de quase um século. “Sem autonomia, a credibilidade das pesquisas perde força. Esse projeto fragiliza a carreira do pesquisador e coloca em risco um patrimônio de valor internacional, fundamental para o Brasil e para o mundo”, afirma Helena Dutra Lutgens, presidente da entidade.

Origem e importância da coleção
Uma das pesquisas em risco é o acervo de mandioca que começou a ser formado em 1935, com a variedade SRT-1 Vassourinha Paulista. São mais de 1,6 mil registros catalogados ao longo de nove décadas, embora parte já tenha se perdido em razão de pragas e doenças. Durante a Segunda Guerra Mundial, a variedade SRT-59 Branca de Santa Catarina foi determinante para substituir cultivos menos produtivos e garantir a extração de farinha e amido. 

Nos anos 1960, a variedade IAC 24-2 Mantiqueira, criada a partir de cruzamentos no instituto, se destacou como a mais produtiva da coleção mundial do Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), ganhando espaço em vários países, inclusive em Cuba.

A pesquisadora Teresa Losada Valle lembra que, a partir dos anos 1970, o IAC já reunia mais de 1,2 mil acessos, resultado de coletas em diferentes regiões e de trocas com outras instituições. Na década seguinte, uma coleta sistemática em mais de 300 cidades de São Paulo resgatou cerca de 600 acessos, muitos oriundos de cultivos domésticos.

“Essas coletas preservaram não apenas material genético, mas também o conhecimento popular associado às variedades. Foi uma corrida contra o tempo, porque esse patrimônio estava prestes a desaparecer com o êxodo rural”, explica.

Inovações e impacto social
O trabalho de melhoramento genético do IAC resultou em variedades resistentes e de alto rendimento, como a IAC 12, voltada para o Cerrado, além das IAC 13, 14, 15 e 90, utilizadas na indústria de farinha e amido. Uma das mais emblemáticas foi a IAC 576-70, mandioca de mesa com polpa amarela, alto teor de betacaroteno e resistência a doenças. 

A difusão dessa variedade contou com apoio da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), que distribuiu mudas para agricultores familiares e também para moradores urbanos, em igrejas e comunidades. O resultado foi a popularização da cultivar em todo o Estado e um reforço significativo à segurança alimentar em áreas periféricas.

Outros acervos em risco
Além da mandioca, o IAC é responsável por bancos de germoplasma de café, cana-de-açúcar, citros, amendoim, milho, feijão, frutas e hortaliças. Outras instituições do Estado também mantêm coleções estratégicas: o Instituto de Zootecnia preserva raças de animais adaptadas ao clima brasileiro; o Instituto Biológico conserva microrganismos e insetos de importância agrícola; o Instituto Florestal abriga herbários e xilotecas de espécies nativas; e o Instituto de Botânica guarda um dos maiores herbários da América Latina.

Para Helena Lutgens, tais acervos são bens insubstituíveis: “Eles garantem a variabilidade genética necessária para enfrentar mudanças climáticas e assegurar a produção de alimentos. Perder esse patrimônio seria um retrocesso irreparável”.

Em 2025, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção nacional de mandioca deve superar 20 milhões de toneladas, número que reforça o peso estratégico dessa cultura – e a relevância de preservar as bases científicas que sustentam sua evolução.

Como o governo se posiciona
Em nota, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA) informa que o PLC 9/25 tem, como objetivo, modernizar e valorizar a carreira do pesquisador científico, além de fortalecer a produção de conhecimento técnico-científico no Estado, visando maior alinhamento com as diretrizes da ciência e da inovação. Ainda segundo a SAA, a proposta é resultado de um amplo processo de diálogo com a categoria desde 2024.

“O projeto mantém a dedicação exclusiva, em conformidade com os padrões adotados pelos institutos federais de pesquisa. Além disso, amplia a atratividade da carreira ao prever reajuste salarial de até 70% nos níveis iniciais, incentivando novos ingressos e a permanência de pesquisadores. Os atuais servidores, caso desejem manter-se no regime atual, terão o prazo de 90 dias para formalizar essa opção, o que garante segurança e liberdade de escolha”, afirma a nota.

Apesar de perguntada sobre o banco de germoplasma, a SAA não respondeu, especificamente, sobre este assunto.

Fonte: Estadão

Compartilhe: