
Afonso Peche Filho*
Em um país que ainda trata o conhecimento como privilégio, o pesquisador brasileiro tornou-se o símbolo da resistência silenciosa. Sem recursos, apoio ou estabilidade, ele persiste em um cenário onde fazer ciência é um ato de coragem moral. Trabalha em laboratórios precários, enfrenta cortes de bolsas, editais suspensos (escassos), equipamentos obsoletos e, mesmo assim, continua acreditando que sua função social é construir um país mais justo e menos dependente de interesses corporativos. Sua luta não é apenas pela descoberta científica, mas pela dignidade de existir como produtor de conhecimento em um ambiente que o ignora.
A pesquisa voltada para as classes populares nasce quase sempre da adversidade. É feita em institutos de pesquisa, universidades públicas, em escolas técnicas e em pequenos centros de extensão que sobrevivem graças à vocação e ao sacrifício pessoal de seus profissionais. Enquanto as grandes corporações financiam estudos de confirmação, aqueles que apenas reforçam produtos, patentes e mercados, o pesquisador com espírito social busca compreender a realidade concreta do povo, desenvolver tecnologias acessíveis, estudar plantas e animais, recuperar solos, tratar águas, melhorar alimentos e valorizar o saber local. Ele sabe que a ciência que transforma raramente é lucrativa, e que sua relevância é medida pelo bem coletivo, não pelo fator de impacto.
Essa ciência marginalizada, porém, carrega uma força ética rara. Cada projeto submetido, cada dado obtido, cada artigo publicado representa um ato de resistência. Não há glamour nem reconhecimento, apenas a convicção de que o conhecimento é um patrimônio público e que a ciência feita com honestidade e propósito é mais importante do que qualquer aplauso. A persistência torna-se o método, e a esperança, o combustível. Mesmo quando o país abandona suas instituições científicas, é o pesquisador que as mantém vivas, improvisando soluções, compartilhando materiais, orientando alunos sem bolsa e garantindo que a chama da investigação não se apague.
A solidão é parte da rotina científica brasileira. Sem o apoio do Estado e ignorado pelo mercado, o pesquisador que atua junto às classes populares precisa ser também gestor, técnico, contador e militante. Vive no limite entre o idealismo e o cansaço, ciente de que a ciência que ele faz não interessa às corporações que dominam a pauta da inovação. Trabalha com temas que não geram lucro, mas que devolvem autonomia e dignidade às comunidades: segurança e soberania alimentar, fitotecnia, ecologia, tecnologias sociais, saneamento descentralizado, educação ambiental, saúde pública. Sua contribuição é invisível para quem só enxerga indicadores econômicos, mas é vital para o país que ainda acredita na emancipação pelo conhecimento.
Fazer ciência nessas condições é uma forma de luta. Cada recusa de financiamento é um golpe; cada resultado obtido, uma vitória moral. O pesquisador brasileiro aprendeu a resistir com o que tem, e, sobretudo, com o que é. Ele não se move por vaidade, mas por convicção. A verdadeira recompensa está no impacto social do que produz: no agricultor que melhora a produção com um método ensinado pela pesquisa pública; no aluno que descobre a vocação científica graças a um professor engajado; no dado que serve de base para uma política pública de desenvolvimento. Sua ciência é feita de suor, de afetos e de sentido.
Ao mesmo tempo, essa luta revela o contraste ético entre duas visões de ciência. De um lado, a pesquisa de mercado, que busca validar interesses privados e tratar o conhecimento como mercadoria. De outro, a ciência pública, construída como bem comum, voltada para resolver problemas sociais e ambientais. O pesquisador popular representa a segunda: aquele que acredita que a função da ciência é cuidar da vida e não apenas gerar lucro. Sua persistência é o que impede o apagamento completo da inteligência nacional.
Mesmo sem reconhecimento, ele segue em frente, convencido de que a vitória não está no prêmio, mas na continuidade da caminhada. A ciência brasileira, feita por mãos cansadas e mentes criativas, é uma metáfora de resistência: apanha, sangra, cai, mas se levanta. E é nessa capacidade de levantar-se, dia após dia, que reside sua grandeza. O pesquisador que insiste, mesmo sem amparo, é o verdadeiro herói civilizatório de um país em crise. Ele não busca o pódio, busca sentido. E ao continuar de pé, transforma a própria persistência em uma forma de esperança coletiva.
* Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas – IAC