Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

Atua na defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa Científica do Estado de São Paulo

A importância da Fazenda Santa Elisa para a agroecologia brasileira

A agroecologia brasileira é fruto de uma longa trajetória de integração entre ciência, práticas agrícolas tradicionais e princípios ecológicos. Nesse contexto, a Fazenda Santa Elisa, sede do Centro Experimental Central (CEC) do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), assume papel estratégico. Localizada em Campinas (SP), a área reúne mais de 690 hectares e é considerada o berço da conservação do solo e da água e da agricultura tropical do Brasil. Sua importância vai muito além da produção científica: trata-se de um espaço que integra biodiversidade, cultura, memória histórica e serviços ecossistêmicos, consolidando-se como referência para a agroecologia no país.

A Fazenda Santa Elisa é reconhecida como um dos principais polos de inovação agrícola do Brasil. Desde sua fundação, abrigou pesquisas pioneiras que introduziram novas variedades e tecnologias adaptadas ao clima tropical. Foi nesse espaço que se estruturaram estudos sobre a conservação do solo e da água, antecipando princípios que hoje são fundamentais para a agroecologia: uso racional dos recursos, manejo sustentável e diversificação produtiva.

Além disso, a Fazenda mantém um dos maiores bancos de germoplasma de café e outras culturas agrícolas do mundo, com milhares de acessos genéticos que asseguram a variabilidade necessária para enfrentar desafios como mudanças climáticas, novas pragas e a demanda por sistemas diversificados. Essa herança genética é essencial para a construção de sistemas agroecológicos resilientes, baseados na diversidade e na autonomia dos agricultores.

Um exemplo emblemático do valor científico e ambiental da Fazenda é o Complexo Botânico do Monjolinho, instalado em sua área. Este espaço constitui um patrimônio botânico de relevância nacional, reunindo coleções vivas, áreas de conservação e remanescentes florestais que servem como suporte para pesquisas em ecologia, conservação da flora e educação ambiental. O Complexo amplia a função agroecológica da Fazenda Santa Elisa, ao associar preservação da biodiversidade, valorização paisagística e formação científica em um mesmo território.

Situada em uma área de transição entre dois biomas megadiversos, Mata Atlântica e Cerrado, a Fazenda Santa Elisa abriga um ecótono de grande relevância ecológica. Essa condição favorece a convivência de espécies de diferentes origens, criando um mosaico rico em biodiversidade.

Para a agroecologia, essa diversidade biológica é estratégica: fortalece os serviços ecossistêmicos, como o controle natural de pragas, a polinização e a ciclagem de nutrientes, e abre caminho para a implementação de sistemas agroflorestais, policultivos e práticas de restauração. A Fazenda, assim, funciona como um laboratório vivo, que demonstra a importância da biodiversidade como base da produção sustentável.

A relevância da Fazenda Santa Elisa ultrapassa o âmbito científico. Localizada em plena malha urbana de Campinas, ela constitui um dos maiores fragmentos verdes contínuos da região. Com suas nascentes, áreas de recarga hídrica, matas ciliares e remanescentes florestais, a Fazenda oferece serviços ambientais essenciais:

  • regulação climática e redução de ilhas de calor;
  • manutenção da qualidade da água e da infiltração hídrica;
  • abrigo e refúgio para a fauna regional;
  • valorização da paisagem e produção de bem-estar coletivo.

A agroecologia, que integra dimensões ecológicas, produtivas e sociais, encontra na Fazenda Santa Elisa um exemplo de como áreas agrícolas podem se transformar em patrimônios socioambientais a serviço da coletividade.

A localização privilegiada da Fazenda, cercada por áreas urbanizadas, a torna alvo de pressões imobiliárias constantes. Contudo, sua preservação é estratégica: perder a Fazenda significaria não apenas o fim de um centro de pesquisa agrícola, mas a destruição de um símbolo da relação equilibrada entre ciência e natureza.

Nesse sentido, a Fazenda Santa Elisa é também um espaço de resistência ecológica e cultural. Ao unir conhecimento científico, biodiversidade e serviços ambientais, ela inspira o avanço da agroecologia brasileira como paradigma agrícola do século XXI: diverso, resiliente e profundamente ecológico.

A Fazenda Santa Elisa é mais do que um centro de pesquisa agrícola: é um patrimônio ecológico, científico e cultural de valor inestimável. Sua contribuição para a agroecologia brasileira está na soma de múltiplas dimensões, conservação do solo e da água, preservação da biodiversidade, manutenção de ecótono, provisão de serviços ambientais e geração de conhecimento aplicado.

Ao incorporar o Complexo Botânico do Monjolinho, a Fazenda reafirma sua vocação agroecológica, integrando ciência, conservação e cultura em benefício da sociedade.

No Dia Nacional da Ecologia (03 de outubro), seu exemplo torna-se ainda mais relevante: preservar e fortalecer a Fazenda Santa Elisa é investir não apenas no futuro da pesquisa agronômica, mas sobretudo no avanço da agroecologia como caminho para uma agricultura sustentável, regenerativa e socialmente justa.

Afonso Peche Filho é Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas

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