
A ecóloga Giselda Durigan, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), acaba de alcançar um conjunto significativo de reconhecimentos que reafirmam sua relevância científica nacional e internacional. Além de figurar pela quinta vez entre os cientistas mais influentes do mundo segundo o ranking da Research.com, Durigan passou a integrar, pela primeira vez, a lista dos cientistas brasileiros cujas publicações mais impactam políticas públicas no mundo. Também estreou entre os 17 pesquisadores brasileiros mais citados no Web of Science na última década, uma distinção rara entre todas as áreas do conhecimento.
Com mais de 150 publicações e 11 mil citações, sua produção contribuiu para consolidar a credibilidade de sua trajetória, especialmente em temas ligados à ecologia do Cerrado, ao fogo e à conservação dos campos naturais. Para a pesquisadora, esses reconhecimentos representam a validação de décadas de trabalho e de colaboração científica, refletindo o impacto real de suas pesquisas na ciência global e na formulação de políticas públicas.
Atualmente, Giselda lidera o projeto temático Biota Campos, da Fapesp, aprofundando o conhecimento sobre a biodiversidade dos campos naturais paulistas e oferecendo bases científicas essenciais para sua conservação e recuperação. No último dia 9 de dezembro, ela falou com a reportagem da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC).
APqC – O que significa para você figurar, pela quinta vez, entre os cientistas mais influentes do mundo e como interpreta esse reconhecimento internacional?
Giselda Durigan – Foi a quinta vez pela lista da Elsevier, mas a primeira vez na lista dos cientistas brasileiros cujas publicações mais impactam políticas públicas no mundo e, também pela primeira vez, na lista dos cientistas brasileiros, de todas as áreas do conhecimento, entre os autores mais citados no Web of Science nos últimos 10 anos. Estou entre os 17 e confesso que fiquei muito surpresa. O reconhecimento internacional é a validação da importância das minhas pesquisas por outros cientistas do planeta, que se traduz em credibilidade, que é algo que perseguimos durante toda a carreira.
Na sua avaliação, quais aspectos da sua produção científica mais contribuíram para alcançar esse nível de impacto — especialmente nas áreas de Ecologia, Vegetação e Riqueza de Espécies?
Não tenho dúvidas de que o destaque das minhas pesquisas se deve ao seu caráter aplicado. Durante toda a carreira eu direcionei minhas pesquisas e minhas publicações (muitas delas em português, para que sejam lidas por pessoas comuns e tomadores de decisão) para a solução de problemas relativos à conservação e à restauração de ecossistemas. A demanda por respostas para problemas reais aumentou muito nas últimas décadas em todo o mundo e é daí que veio a visibilidade do meu trabalho, no meu entendimento.
Ao longo da carreira, você se tornou referência nos estudos sobre o fogo e sua supressão no Cerrado. Quais foram as descobertas mais transformadoras desse campo e como elas dialogam com as políticas públicas atuais?
Em relação ao fogo no Cerrado, minha descoberta mais transformadora foi de que a política de supressão do fogo, em vez de proteger o Cerrado, leva à sua completa transformação, com perda dramática de plantas e animais endêmicos e comprometimento severo da recarga hídrica. Essas pesquisas deram suporte a uma mudança de paradigma em escala nacional, com a aprovação da Política Nacional do Fogo, que passa a prever queimas prescritas para fins conservacionistas. Faço parte de um movimento global de ecólogos de savanas que entendem a importância e o efeito positivo do fogo nesse bioma e que lutam pela sua conservação. Tenho tentado agora contribuir na elaboração dos Planos de Manejo Integrado de Fogo nas unidades de conservação de SP.
Sua trajetória começa em Maracaí, no interior paulista. Em que momento da sua formação inicial surgiu o interesse pela ciência e, especialmente, pelo estudo da ecologia e dos ecossistemas do Cerrado?
No sítio em que nasci, em Maracaí, a natureza era o meu parque de diversões, de modo que cresci com uma relação afetiva com as plantas, as borboletas, os riachos, as cachoeiras, etc. Acabei me formando em Engenharia Florestal e, dentro da profissão, o caminho da ciência foi o que decidi seguir. Mas comecei as pesquisas com a Mata Atlântica. O Cerrado veio depois. E veio naturalmente, porque meu local de trabalho fica dentro de uma unidade de conservação do Cerrado. Além disso, quando comecei a fazer pesquisas sobre a conservação e restauração do Cerrado havia muito pouco interesse nesse bioma, enquanto centenas de teses e dissertações eram desenvolvidas sobre a Amazônia e a Mata Atlântica. Tinha muito trabalho a ser feito em favor do Cerrado! E muito pouca gente preparada para isso.
O projeto Biota Campos, que você lidera, busca ampliar o conhecimento sobre os campos naturais de São Paulo e regiões vizinhas. Quais são os principais objetivos e desafios dessa iniciativa?
Agora que o Cerrado ganhou visibilidade, chegou a vez dos campos naturais. Sobre esses ecossistemas incríveis, agora sabemos que a metade deles nem aparece nos mapas! A maioria das pessoas acha que onde não existem árvores não tem nada a ser protegido! Que é preciso reflorestar! O desafio maior é mostrar que campos naturais existem, que têm biodiversidade altíssima (chegam a ter mais de 30 espécies de plantas em um metro quadrado!) e que são de extrema importância para que quase toda a água da chuva infiltre e vá recarregar as nascentes, os rios, os aquíferos, entre outros serviços ecossistêmicos menos relevantes.
Ao longo da sua carreira, quais experiências pessoais — em campo, na pesquisa ou na convivência com colegas — mais marcaram sua visão sobre o papel do pesquisador e reforçaram sua decisão de seguir na ciência pública?
Fazer ciência em uma instituição governamental (Instituto Florestal) baseada no tripé Conservação-Produção Florestal-Pesquisa me proporcionou o cenário perfeito para conhecer os principais desafios a serem superados, como o desmatamento, a fragmentação, o efeito de borda, as invasões biológicas, a expansão da infraestrutura, a produção sustentável, a demanda hídrica, a restauração dos ecossistemas, cada um com suas dificuldades particulares. E o ambiente de trabalho na Floresta Estadual de Assis me proporcionou a liberdade para planejar e os recursos necessários para realizar as pesquisas imaginadas.
O Brasil aparece em 10º lugar no ranking internacional da área de Ecologia e Evolução. Como você avalia esse posicionamento e o papel da ciência brasileira no cenário global?
O Brasil tem credibilidade mundial na área de Ecologia e isso aparece nas tais listas de autores mais citados ou mais influentes no mundo, pelo número de citações em comparação com outras áreas do conhecimento. A meu ver, dois pontos importantes levaram o Brasil a esse patamar: 1) A diversidade de biomas, ecossistemas e espécies que ainda temos e que podem ser facilmente acessados por estudantes, pesquisadores, sem termos de estar acompanhados de um segurança armado, como ocorre em outras regiões tropicais, e 2) A excelente qualidade dos primeiros cursos de pós-graduação em Ecologia no Brasil (UNICAMP, USP, UNB), que formaram algumas gerações de excelentes professores hoje espalhados por todo o Brasil, preparados para fazer Ecologia de Campo, que é o nosso grande diferencial.
Diante da recente derrubada de vetos à Lei Geral do Licenciamento Ambiental — que amplia dispensas, autolicenciamentos e reduz controles sobre empreendimentos de impacto — quais consequências você enxerga especificamente para o Cerrado?
A Lei Geral do Licenciamento Ambiental (se não tivesse sido avacalhada) só poderia dificultar o desmatamento e outros impactos quando eles exigem licenciamento. Para o Cerrado, o desastre vai muito além. Eu enxergo essa degradação desenfreada que já acontece, porque ainda existem muitos milhões de hectares que podem ser desmatados dentro das leis vigentes. O Cerrado precisa de leis semelhantes às que protegem os biomas florestais do Brasil. Mas isso só vai acontecer quando tiverem restado apenas as áreas protegidas, as APPs e Reservas Legais.
As mudanças aprovadas pelo governo através do PLC9 alteram profundamente o regime de trabalho dos pesquisadores. Como essas mudanças podem afetar o dia a dia de quem desenvolve pesquisa pública no Estado de São Paulo?
Antes da nova lei aprovada, que vai mudar muitas coisas no trabalho, na vida e na velhice dos pesquisadores de São Paulo, o meu dia a dia de pesquisadora já havia sido severamente impactado pela extinção do Instituto Florestal, pela criação do Instituto de Pesquisas Ambientais sediado na capital e pelo fato de que tudo de que eu dispunha para realizar bem o meu trabalho (acesso fácil às unidades de conservação, pessoal de apoio, veículos, máquinas, equipamentos, etc.) passou a ser gerido pela Fundação Florestal. De um dia para outro, perdi tudo isso e, depois de quatro anos, as condições de trabalho estão longe de voltar ao normal, se é que vão voltar algum dia. Sobre a nova carreira de pesquisador, quem fica aqui no velho oeste recebe muito pouca informação confiável. Hoje (08/12), finalmente, assisti a um vídeo de esclarecimento. Após 90 minutos de explicações, concluí que, após trabalhar 41 anos na instituição, tendo atingido o nível máximo da carreira há 26 anos, pelos meus cálculos eu teria de trabalhar mais sete anos, no mínimo, para poder me aposentar com o salário do novo nível máximo da carreira, mesmo sendo reconhecida como um dos 17 brasileiros que estão entre os cientistas mais influentes do mundo. Não posso estar feliz.
Bruno Ribeiro, para a APqC