
CARTA ABERTA AO GOVERNADOR DE SÃO PAULO
A falácia dos argumentos inargumentáveis
Por Alfredo de Almeida Vitali*
Audiência Pública ALESP de 07 de outubro de 2025 sobre o PLC 9/25.
“Quod natura non dat, Salmantica non præstat.”
“4. A hierarquia científica deve ser estabelecida em função da criatividade e não dos títulos acadêmicos. Há Doutos que não são Doutores e Doutores que não são Doutos”*.
Essa frase de Zeferino Vaz, criador e primeiro reitor da Universidade Estadual de Campinas, criticava claramente, já nos idos tempos do governador Abreu Sodré (1967–1971), que um título de Doutor raramente concede inteligência e criatividade ao indivíduo, assim como água benta que respinga no pecador não o redime de seus pecados.
Acrescento aqui que existe uma quantidade pequena — que quase nem aparece (parafraseando Tom Jobim) — de Doutos que são Doutores.
Deixando de lado todas as ululantes evidências das ilegalidades do PLC 9/25, a audiência pública foi uma escancarada demonstração de pseudo-pesquisadores, não Doutos, que se arvoraram a advogar sua defesa.
Explico: a principal característica de uma pessoa de ciência (pesquisador, cientista, professor etc.) é pensar e discernir. Essas pessoas apresentaram argumentos pinçados da proposta e enfatizaram suas vantagens, ignorando todos os sólidos argumentos existentes, num clássico exercício de convencimento, digno dos mais vis discursos autoritários que nos bombardeiam cotidianamente.
Com essas atitudes, expuseram sua total inabilidade para pertencer à categoria de verdadeiros pesquisadores, visto que não analisaram o conjunto da obra, mas apenas as partes de seu interesse.
Se fazem isso para defender o indefensável, como poderão atuar com isenção nos resultados de seus trabalhos de pesquisa?
“11. O dirigente científico deve saber distinguir a meia ciência, mascarada de ciência, mais prejudicial que a ignorância e sub-repticiamente preocupada em combater a ciência verdadeira”*.
A HISTÓRIA NÃO CONTADA
• APTA Regional. Propaganda política para eleição de Geraldo Alckmin.
A Secretaria da Agricultura (sempre ela) lançou a ilação de que a pesquisa da agricultura estava concentrada no eixo da Via Anhanguera e que precisaria ser pulverizada por todo o Estado.
O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) tinha 19 estações experimentais por todo o estado de São Paulo: do Vale do Ribeira a Ubatuba, de Pindamonhangaba a Ribeirão Preto, de São Roque a Adamantina.
“A grande inserção que o IAC tinha no interior do estado de São Paulo foi muito abalada com a criação da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios em 2002, que transferiu 14 de suas estações experimentais fora de Campinas para um novo instituto da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Embora ainda continuasse a haver trabalhos conjuntos entre ambos os institutos, o contato de pesquisadores do IAC com os agricultores de outras regiões foi bastante diminuído, bem como aumentada a competição por recursos muito restritos. Problemas de gestão e recursos provocaram o retorno de seis das estações experimentais para o IAC.”
Criaram-se os Polos Regionais, sobrepondo-se às Casas da Agricultura da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI). Gastaram-se recursos para criar infraestrutura e contratar pesquisadores para povoar esses polos, em detrimento da reposição de pessoal nos Institutos de Pesquisa.
Conclusão: vários “elefantinhos brancos” sem infraestrutura para gerar pesquisa. Os pesquisadores se transformaram em assistentes técnicos, conforme declarado por um dos defensores do PLC 9/25.
“1. Instituições científicas, universitárias ou isoladas constroem-se com cérebros e não com edifícios. Escala de prioridades: a) cérebros; b) cérebros; c) cérebros; d) bibliotecas; e) equipamentos; f) edifícios. Isso é importante acentuar porque nesse país acreditamos em fachadas.”*
Nota: A antítese desta citação pode ser apreciada em todo seu esplendor no Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL).
OS BASTIDORES INESCRUTÁVEIS DA SAA
O defensor do PLC 9/25 na audiência pública é um indivíduo que gravita na Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) há décadas, ocupando diversos cargos, inclusive como coordenador da APTA.
Todas as crises da SAA foram de seu conhecimento, sem qualquer ação de defesa dos interesses da pesquisa.
Sua atuação na elaboração, a portas fechadas, do PLC 9/25 deixa transparecer seu mesmo modus operandi de interesses particulares, exacerbada pelo afã de votação intempestiva em uma sequência atropelada: no mesmo dia, uma audiência pública, seguida de debate em plenário e votação.
Essas ações em sequência — da reunião com o Secretário da Casa Civil à audiência pública tocada a toque de caixa, seguida imediatamente do debate e votação — demonstram claramente uma situação “para inglês ver”, de forma irresponsável e arbitrária, apenas para cumprir protocolo.
Destaca-se aqui o comportamento autoritário e açodado dos dirigentes das duas sessões, numa clara evidência de “acabar logo com essa aporrinhação”.
Em 1988, Cazuza, George Israel e Nilo Romero compuseram a música Brasil como se fosse uma premonição dessa barbárie que estamos vivendo no trato do PLC 9/25, cujo desfecho está marcado para votação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no dia 14/10/2025.
“Não me convidaram
pra esta festa pobre
Que os homens armaram
pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer…
Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram chefe de nada…
Brasil!
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil! Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim…
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Grande pátria, desimportante,
Em nenhum instante
Eu vou te trair…”
A POSIÇÃO DO GOVERNADOR
O governador recebeu mais de uma vez a minoria favorável à aprovação do PLC, mas recusou-se a receber a maioria.
Documento enviado por mim ao governador chegou até à mesa de seu chefe de gabinete, mas sem nenhuma resposta de encaminhamento.
A análise óbvia de todo esse episódio é que existem “forças ocultas” fortemente interessadas em aniquilar a ciência e tecnologia no Estado de São Paulo e, com isso, usufruir da alienação de bens próprios dos Institutos de Pesquisa, sobretudo das terras valiosas dos IPs da SAA.
Ao se concretizar a aprovação do PLC 9/25, o governador passará à história como pior que toda a gestão tucana.
GRANDE (TRISTE) FINALE
Com a iminente morte da ciência e tecnologia de São Paulo, morre a obra visionária de Dom Pedro II com a criação da Real Estação Agrícola de Campinas, hoje IAC.
Morre também o ITAL, obra de André Tosello, pesquisador do IAC que também criou a Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.
Morrem também os demais Institutos de Pesquisa de São Paulo e o trabalho prestado por todos os que fizeram — e tentam continuar fazendo — o progresso de nosso Estado.
“13. Não interessa ao dirigente científico o pensamento político-ideológico dos cientistas que dirige, contanto que não usem a sua superioridade hierárquica e cultural para doutrinação de seus jovens discípulos. A experiência demonstrou que quando ideologias políticas extremistas entram pela porta das instituições científicas, a ciência sai pela janela”*.
Todo esse desvario é impunemente pago pelo ICMS da população paulista.
O ICMS do setor cítrico, sucroalcooleiro, agro, etc., é fruto da pesquisa. Por esse ponto de vista, ele já se pagou para o Estado e continua pagando pela pesquisa invisível aos cegos que não querem ver, que a pujança do Estado está apoiada na ciência e tecnologia.
Se não acredita, precisa estudar geografia econômica.
Governador, o trato dispensado a esse setor é pior que cuspir no prato em que se come.
Seu afã populista de tocador de obras no Estado de São Paulo, com olho no Palácio da Alvorada, em contraste com o trato da coisa pública, poderá lhe custar muito caro.
Alfredo de Almeida Vitali – PqC-VI Aposentado ITAL
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