Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

Atua na defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa Científica do Estado de São Paulo

Perdas e Danos

Afonso Peche Filho*

A desvalorização da pesquisa científica e a omissão social que a acompanha representam um dos maiores erros do presente. Quando um projeto de pesquisa é abandonado, seja por falta de recursos, por descontinuidade de políticas públicas ou pela ausência de apoio social, a perda vai além do indivíduo envolvido: é a própria sociedade que perde conhecimento, oportunidades e horizontes de transformação. O desmantelamento contemporâneo da ciência, que deveria ser vista como investimento estratégico, resulta em um cenário de perdas e danos que ecoa em múltiplas dimensões, corroendo tanto a vida acadêmica quanto a capacidade coletiva de construir um futuro sustentável.

Cada pesquisa científica representa uma soma de tempo, dedicação e recursos financeiros. Abandoná-la, seja em sua fase inicial ou em estágios avançados, como um doutorado, significa desperdiçar um patrimônio de esforços acumulados. Laboratórios, bolsas, financiamentos e até mesmo estruturas de apoio comunitário tornam-se fragmentos de um projeto interrompido, incapaz de gerar os resultados para os quais foram concebidos. O desperdício não é apenas econômico, mas simbólico: a mensagem transmitida é a de que o conhecimento pode ser descartado sem consequências.

A ciência, por sua própria natureza, é um processo cumulativo. Cada pesquisa busca acrescentar uma peça ao mosaico de compreensão da realidade, seja para resolver problemas imediatos, seja para ampliar horizontes teóricos. Quando uma investigação é abandonada, o avanço potencialmente valioso para a sociedade se perde. Esse impacto é ainda mais grave em áreas estratégicas, como saúde, agricultura, recursos hídricos ou mudanças climáticas. O atraso imposto pela omissão social não é apenas acadêmico, mas compromete a capacidade do país de responder a desafios urgentes e globais.

Para os pesquisadores, especialmente os jovens, os danos são profundos. Interromper uma trajetória científica em razão de cortes ou da ausência de reconhecimento não se resume a uma questão curricular. Significa carregar o peso de uma vocação interrompida, de sonhos que não encontram espaço para florescer. O risco de estigmatização, como se a desistência fosse sinônimo de falta de persistência, soma-se à dor de ver anos de dedicação tornarem-se invisíveis. A agonia se manifesta no cotidiano de quem resiste: pesquisadores em laboratórios sucateados, bolsistas que acumulam trabalhos paralelos para sobreviver, doutorandos que duvidam se o esforço ainda vale a pena. É uma dimensão humana e existencial que raramente aparece nas estatísticas, mas que marca vidas de forma irreversível.

A sociedade, beneficiária direta da pesquisa, muitas vezes assume uma postura de indiferença. O silêncio social diante do desmonte da ciência é um dos aspectos mais dolorosos deste processo. Em vez de reconhecer a pesquisa como um bem público essencial, ela é vista como algo distante, um privilégio de poucos ou um gasto supérfluo. Essa omissão legitima cortes, paralisa projetos e fragiliza instituições. O resultado é uma espiral de perdas: sem pressão social, não há prioridade política; sem prioridade política, não há investimento; sem investimento, não há ciência.

As consequências vão muito além da contabilidade financeira. Perde-se a formação de novas gerações, a possibilidade de consolidar redes de cooperação, a chance de construir soluções inovadoras para problemas que afetam milhões de pessoas. Cada pesquisa abandonada equivale a um caminho que deixa de ser trilhado. Em tempos de crise ambiental, desigualdade social e ameaças globais, abrir mão da ciência é abrir mão da própria capacidade de imaginar alternativas.

As perdas e danos resultantes da desvalorização da pesquisa científica não são apenas de ordem material. São também éticos e civilizatórios. Abandonar a ciência é condenar o futuro à repetição de erros, à dependência externa e ao atraso estrutural. No meio desse processo, os pesquisadores carregam a agonia de ver seus projetos desfeitos e suas vozes silenciadas, enquanto a sociedade perde a oportunidade de se reinventar. O desmantelamento contemporâneo da ciência não é apenas um problema da academia: é um problema coletivo. Se não houver resgate e valorização da pesquisa, não estaremos apenas abandonando teses e laboratórios, mas também desistindo do nosso direito de sonhar com um amanhã melhor.

* Pesquisador Científico do Instituto Agronômico de Campinas – IAC

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