
O PLC 9/2025 da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), projeto de lei complementar que visa instituir a carreira de pesquisador científico no estado, tem gerado controvérsias e sido alvo de críticas por parte de associações de cientistas. Elas argumentam que o projeto desestrutura a carreira existente, ao criar “cheques em branco” para o executivo e retirar a autonomia técnica de avaliações, o que poderia prejudicar a ciência paulista. Devido à falta de consenso e ao debate em curso, o projeto foi adiado em votação para permitir o diálogo entre o governo e os pesquisadores.
Nesta entrevista, a dra. Helena Dutra Lutgens, presidente da Associação dos Pesquisadores do Estado de São Paulo (APqC), detalha as objeções da categoria ao projeto. Leia na íntegra:
Portal dos Jornalistas: Como o PLC 9/2025 pode influenciar a capacidade do Estado de responder a emergências sanitárias, climáticas e agrícolas?
Helena Dutra Lutgens: Enfraquece a espinha dorsal da resposta pública. Ao desestruturar a carreira, achatar salários e criar incertezas sobre regime de trabalho e avaliação, o PLC 9/2025 acelera o esvaziamento dos institutos públicos de São Paulo, fonte principal de pesquisas contínuas e de longo prazo, essenciais para reagir a surtos sanitários, eventos climáticos extremos e crises agrícolas. Sem quadros estáveis e sem áreas experimentais ativas, perde-se velocidade, memória institucional e capacidade de ação coordenada.
Portal: Quais riscos existem para a manutenção de acervos científicos, coleções biológicas e bancos de germoplasma?
Helena: São coleções que funcionam como “bibliotecas” da variabilidade genética e do conhecimento acumulado em décadas. O esvaziamento de equipes compromete a curadoria e a conservação desses acervos; e a venda de áreas experimentais, onde muitos desses bancos estão, ameaça diretamente sua integridade e continuidade. Perder esses registros é perder a base sobre a qual novas descobertas se apoiam.
Portal: Há estimativas sobre possíveis perdas de talentos qualificados para outros estados ou países?
Helena: Ainda não há um número oficial consolidado. O que já é nítido é a tendência: achatamento remuneratório e incertezas de progressão desestimulam a permanência e dificultam a atração de novos pesquisadores, ampliando o risco de evasão para instituições com carreiras mais previsíveis. Para se ter ideia da gravidade do quadro, uma bolsa de pós-doc é de R$ 12.550,00, enquanto o reajuste proposta aos primeiros níveis de carreira pelo PLC 9/2025 é de R$ 9.052,47. A carreira se torna desinteressante para o cientista com doutorado.
Portal: Quais impactos o PLC 9/2025 pode ter sobre a autonomia administrativa e científica dos institutos públicos de pesquisa?
Helena: A proposta acumula “pontos vagos” sobre regime de trabalho e avaliação, abrindo espaço para interferências e instabilidade normativa, gerando enorme insegurança jurídica. Autonomia científica exige regras claras, estáveis e baseadas em mérito, exatamente o contrário do que propõe o PLC 9/2025.
Portal: Qual a importância do Regime de Tempo Integral (RDI) para a produção de conhecimento científico?
Helena: O RTI é a condição que garante foco, continuidade e compromisso de longo prazo, a natureza da pesquisa pública. É essa dedicação, ao longo de anos, que permite responder a problemas complexos cujo resultado não é imediato. Além disso, a mudança proposta não está clara. O PLC 09, propõe que troquemos um regime de trabalho definido de forma explicita na lei 125/1975, por um regime que será determinado após a promulgação da lei complementar por um decreto, trazendo imensa insegurança jurídica. Ou seja, é uma viagem no escuro.
Portal: A extinção da CPRTI pode impactar a credibilidade das pesquisas?
Helena: Sim. Sem uma comissão de avaliação estável, técnica e com legitimidade entre os pares, abrem-se brechas para critérios pouco transparentes e para a politização da avaliação. A própria proposta já admite incertezas sobre “como” avaliar e “como” progredir, um terreno fértil para fragilizar a credibilidade. Assim como o novo regime de trabalho, a comissão e o processo de avaliação, não estão claramente estabelecidos no projeto de lei complementar.
Portal: Como a extinção da carreira atual pode afetar a estabilidade e a motivação dos pesquisadores?
Helena: O desmonte da pesquisa pública em São Paulo não é novidade, já acontece de forma velada, há muito tempo. O achatamento salarial, o esvaziamento do quadro funcional dos institutos públicos e pesquisa, a redução de orçamento etc., são indícios claros desse propósito.
Entretanto o PLC 09/2025, desmonta uma carreira sólida, que está completando 50 anos, quebrando a espinha dorsal da carreira. São mudanças estruturantes que tiram a autonomia da pesquisa pública, justamente o ponto indispensável para a realização de uma investigação científica idônea e isenta desmotiva equipes — com efeito dominó sobre a capacidade de entregar resultados públicos. Essa situação, somada aos demais pontos como o achatamento salarial e indefinição de critérios e falta de recursos financeiros é extremamente desmotivadora e terá como consequência um esvaziamento do quadro de pesquisadores ainda mais acelerado.
Portal: De que forma a nova estrutura proposta altera o processo de ingresso e progressão na carreira científica?
Helena: Ao tornar nebulosos os parâmetros de avaliação e progressão, a proposta desloca a lógica de mérito para um cenário de incerteza. Sem regras claras, o ingresso e a ascensão deixam de ser instrumentos de excelência e passam a ser fontes de insegurança institucional. A proposta também aumente em cerca de 6 anos o tempo para que um recém ingresso atinja o ápice da carreira, pois eleva de 6 para 18 o número de níveis de progressão.
Portal: Que alternativas poderiam ser adotadas para modernizar a carreira sem comprometer a pesquisa pública e sua função social?
A carreira de pesquisador científico do Estado de São Paulo, completa seus 50 anos, atual e atuante, é uma carreira moderna, totalmente pautada na meritocracia, com um sistema de avaliação que efetivamente valoriza e favorece a evolução científica dos pesquisadores e das instituições de pesquisa.
Os institutos públicos de pesquisa de São Paulo, são amplamente reconhecidos pela classe científica e pela sociedade devido a sua grande contribuição ao processo de desenvolvimento, científico, tecnológico, econômico e social que deram a esse Estado. Para que essas instituições sigam contribuindo, especialmente nesse momento crítico de emergência climática e ambiental, no qual as questões de saúde, meio ambiente e agricultura, formam uma tríade imprescindível, com apenas duas ações de governo, seria possível alavancar barbaramente a carreira e as instituições: a valorização salarial dos pesquisadores e de todo o quadro funcional dos institutos, corrigindo os anos de injustiça sem qualquer correção e o provimento de cargos tanto de pesquisadores quanto das demais carreiras que atuam nessas instituições.
PERFIL
Dra. Helena Dutra Lutgens- Presidente da APqC
Pesquisadora Científica do Instituto Florestal desde 2004, Helena Dutra Lutgens é formada em Ecologia (Unesp), Mestre em Conservação e Manejo de Recursos (Unesp) e Doutora em Ecologia e Recursos Naturais (Ufscar). Antes de entrar para a carreira de pesquisadora, a ecóloga já atuava como servidora pública no cargo de assistente de pesquisa do Instituto Florestal, desde 1994. Suas principais atividades na área da pesquisa pública envolvem Unidades de Conservação, Zonas de Amortecimento, Interpretação da Natureza, Educação Ambiental, Plano de Manejo e Capacitação. No fim de 2023, após dois anos como vice-presidente da APqC, Helena foi eleita presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) para o biênio 2024/2025.
Fonte: Portal dos Jornalistas