Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

Atua na defesa dos Institutos Públicos de Pesquisa Científica do Estado de São Paulo

Entrevista: Alessandra Souza, a pesquisadora que revolucionou a citricultura brasileira

Em setembro de 2025, a pesquisadora Alessandra Souza ganhou ainda mais destaque internacional ao ser escolhida como a vencedora brasileira do Prêmio Ingenias LATAM (foto), concedido pela União Europeia a mulheres inventoras da América Latina. A conquista se deve ao desenvolvimento de uma tecnologia inédita baseada na molécula N-acetilcisteína (NAC), capaz de prevenir e tratar doenças bacterianas que ameaçam os pomares de citros. Poucos dias antes, Alessandra também foi anunciada como nova membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), em um processo seletivo considerado altamente rigoroso.

A bióloga Alessandra Alves de Souza construiu uma trajetória marcada pela excelência científica e pelo compromisso com a inovação na agricultura. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Católica de Pernambuco, mestre em Microbiologia Agrícola pela USP e doutora em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, a pesquisadora complementou sua formação com pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Berkeley, e especialização em Ciência de Plantas no Cold Spring Harbor Laboratory, nos Estados Unidos.

Desde 2005, Alessandra integra o quadro de pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), onde atualmente é diretora de Pesquisa e Desenvolvimento. Ao longo da carreira, recebeu prêmios nacionais e internacionais por suas contribuições à ciência e à citricultura brasileira. Em 2021, foi homenageada pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), pelo impacto de seus trabalhos em benefício do setor.

Pesquisadora respeitada e referência internacional em fitopatologia e biotecnologia, Alessandra Souza simboliza o papel transformador da ciência brasileira, combinando excelência acadêmica, inovação tecnológica e compromisso com uma agricultura mais sustentável.

Confira abaixo a entrevista concedida pela pesquisadora ao site da APqC.

APqC – O Prêmio Ingenias LATAM 2025 reconhece sua invenção com a molécula NAC. Como nasceu a ideia de aplicar uma substância já conhecida na medicina humana ao tratamento de plantas?
Alessandra Souza – A ideia nasceu a partir dos estudos sobre o mecanismo de patogenicidade da Xylella fastidiosa (bactéria causadora da doença CVC nas laranjeiras), conduzidos no âmbito do Programa “Genoma Funcional” da FAPESP, lançado após o sequenciamento do genoma da bactéria. Nessa pesquisa, verificamos que a Xylella formava biofilmes nos vasos do xilema das plantas de forma muito semelhante ao que ocorre em bactérias que colonizam as vias respiratórias humanas. Como a N-acetilcisteína (NAC) já era conhecida na medicina por sua capacidade de desestruturar biofilmes, vimos nela uma oportunidade promissora. Além disso, por se tratar de uma molécula sustentável e economicamente acessível, demos início aos estudos de sua aplicação na agricultura.

A tecnologia desenvolvida pela senhora tem impacto direto na citricultura, setor estratégico para o Brasil. Quais são os resultados mais promissores já observados no campo?
O NAC é um análogo do aminoácido cisteína que, além de possuir propriedades antimicrobianas, atua como um potente antioxidante. Em situações de estresse biótico ou abiótico, todos os seres vivos apresentam aumento do estresse oxidativo, que causa sérios danos celulares. O NAC contribui justamente para reduzir esse estresse e, consequentemente, minimizar os prejuízos associados. No campo, temos observado resultados muito promissores: redução da queda prematura de frutos, aumento do tamanho e da produtividade, além de benefícios adicionais em outras culturas além dos citros. Entre eles, destacam-se ganhos de produtividade e maior tolerância à estiagem.

De que forma o NAC pode transformar a agricultura e qual é o papel da ciência nesse processo?
O NAC representa uma tecnologia inovadora que contribui para o manejo sustentável, ajudando a reduzir o uso de produtos químicos potencialmente tóxicos ao meio ambiente. A ciência é fundamental nesse processo, pois garante que os resultados sejam confiáveis, seguros e realmente benéficos para a sociedade. Infelizmente, ainda é comum encontrarmos produtos lançados apenas com base em uma relação imediata de “causa e efeito”: aplica-se algo na planta, observa-se um resultado pontual e já se apresenta como uma solução. Porém, muitas vezes não se conhece o mecanismo de ação nem a duração real do efeito. A pesquisa científica é justamente o que diferencia descobertas consistentes de soluções superficiais, oferecendo bases sólidas para uma agricultura ambientalmente responsável.

A proteção por propriedade intelectual foi decisiva para viabilizar a transferência dessa tecnologia ao setor produtivo. Como a senhora enxerga a importância da PI para a pesquisa científica?
A propriedade intelectual (PI) é fundamental porque nos garante segurança e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido, além de conferir credibilidade à inovação tecnológica que será transferida ao setor produtivo. Sem a proteção da PI, corremos o risco de ficarmos invisíveis diante da invenção e de todo o potencial inovador que ela representa. Além disso, a PI fortalece parcerias entre instituições de pesquisa e empresas, já que proporciona um ambiente de confiança mútua, essencial para que os investimentos em inovação cheguem à sociedade.

A senhora acaba de ser eleita membro titular da Aciesp. O que esse reconhecimento representa em sua trajetória e como avalia o papel da Academia na valorização da ciência paulista?
Confesso que ainda estou surpresa e honrada por ter meu nome indicado e escolhido para integrar a ACIESP. Aproveito essa oportunidade para agradecer aos membros da Academia. Esse reconhecimento representa, ao mesmo tempo, a valorização da minha trajetória dedicada à ciência agrícola e a responsabilidade de, junto aos demais membros, contribuir ativamente para a missão da Academia. Vejo também nesse espaço uma oportunidade importante para ampliar o debate sobre igualdade de gênero nas ciências agrárias e para dar visibilidade à diversidade de áreas que compõem esse campo do conhecimento, todas essenciais para o avanço da agricultura e para o desenvolvimento sustentável do Estado de São Paulo.

Sua carreira é marcada por diversos prêmios nacionais e internacionais. Qual deles considera mais simbólico e por quê?
Todos os prêmios foram importantes, cada um com um significado especial que me motivou a seguir em frente. Não consigo apontar um como mais simbólico, porque juntos eles representam etapas que marcaram meu crescimento como pesquisadora. Esses reconhecimentos não são apenas meus, mas também da equipe e dos colaboradores, já que cada conquista reflete um esforço coletivo, ao qual sou profundamente grata por terem feito parte da minha trajetória profissional.

Além da pesquisa, a senhora atua na formação de novos cientistas. Quais valores e habilidades considera essenciais para preparar a próxima geração de pesquisadores?
Para formar a próxima geração de pesquisadores, considero essenciais valores como espírito colaborativo, comprometimento, ética e perseverança. Além disso, é fundamental desenvolver conhecimento sólido, capacidade de análise crítica e comunicação eficaz. Acredito que unir rigor científico com empatia e colaboração prepara jovens cientistas não apenas para gerar conhecimento, mas também para atuar de forma responsável, contribuindo positivamente para a solução dos desafios da sociedade.

Em sua visão, quais são os maiores desafios atuais da citricultura brasileira e como a ciência pode ajudar a superá-los?
A ciência vem apoiando a citricultura brasileira há décadas. Graças a avanços científicos, conseguimos enfrentar desafios fitossanitários importantes, como o vírus da tristeza dos citros, a clorose variegada e outras doenças que ameaçavam a produção, consolidando a citricultura brasileira como referência mundial. No entanto, os desafios permanecem. Hoje, lidamos com problemas como o Greening (HLB) e longos períodos de seca, agravados pelas mudanças climáticas. Nesse contexto, a pesquisa científica é fundamental para desenvolver soluções seguras e sustentáveis. Frentes como o melhoramento genético, a biotecnologia e o manejo integrado, conduzidas em instituições como o Centro de Citricultura “Sylvio Moreira” – Instituto Agronômico (IAC), com apoio da FAPESP, do CNPq e de colaboradores do setor público e privado, são essenciais para unir competências estratégicas e gerar soluções capazes de enfrentar os desafios, mantendo a produtividade e a competitividade da citricultura brasileira.

A senhora tem destacado em entrevistas a relevância de inspirar mulheres na ciência. Que conselhos daria às jovens pesquisadoras que desejam seguir carreira em áreas de grande competitividade?
Meu conselho para jovens pesquisadoras é investir no conhecimento, pois dominar bem a sua área é a base para se destacar e enfrentar os desafios de ambientes competitivos. Ao mesmo tempo, é fundamental cultivar autoestima, posicionamento e confiança: reconheçam seu valor, celebrem suas conquistas e aprendam com os erros, sem deixar que as dificuldades diminuam sua motivação. Transformem desafios em oportunidades!

Bruno Ribeiro, para a APqC

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