
Em resposta a antigas e sempre renovadas solicitações de contratação de pesquisadores científicos e funcionários de apoio e atualização dos salários destas categorias, o Governo do Estado de São Paulo enviou à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), em regime de urgência, o Projeto de Lei Complementar nº 9 (PLC), que reestrutura a série de classes de Pesquisador Científico. Este projeto proíbe a aplicação do Regime de Tempo Integral (RTI) a esta série de classes, um regime diferenciado de dedicação exclusiva no serviço público estadual, aplicável aos Pesquisadores Científicos. Este regime é gerido pela Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI), composta por membros votados pelos pesquisadores em atividade e nomeados por livre escolha do Governador, é renovada em um terço a cada ano e, entre suas atribuições estão as de fiscalizar o exercício do RTI, propor medidas que o aprimorem e realizar anualmente os processos coletivos de promoção exclusivamente por mérito dos pesquisadores em atividade.
O RTI é extinto, assim como a CPRTI. O PLC ignora que o Pesquisador Científico desde sempre é funcionário público gerido pelo Estatuto do Funcionário Público, sendo, portanto, desnecessário citá-lo no seu Artigo 4º, bem como em quase todas as demais 8 vezes em que é invocado. Não nomeia as instituições a que se aplica (Art. 1º, § único, 2) e ao deixar para fazê-lo por decreto dá margem à exclusão de alguns dos atuais institutos a bel prazer de um governador. Deixa também para definir por decreto o que sejam o Regime de Dedicação Exclusiva e o controle da Jornada Completa de Trabalho, os critérios e procedimentos para a Avaliação Especial de Desempenho do candidato em estágio probatório, os critérios e procedimentos para a progressão e promoção do Pesquisador Científico, a composição e as atribuições da Comissão Permanente de Avaliação de Desempenho e Desenvolvimento. Ao permitir que o Pesquisador Científico com doutorado reconhecido possa concorrer à categoria A do nível III com no mínimo 1 (um) ano de efetivo exercício (Art., 11, § 3º), entra em choque com a necessidade de 3 (três) anos de efetivo exercício em estágio probatório (Art. 6º). O PLC alonga de maneira excessiva os prazos para promoção do pesquisador na carreira ao introduzir as categorias A, B e C em cada nível e o remunera muitíssimo abaixo do que recebem pesquisadores de instituições congêneres em condições equivalentes de titulação e desempenho.
No início da vigência da Lei Complementar nº 125, fundante da carreira de pesquisador, exigia-se a permanência mínima de 3 (três) anos de efetivo exercício em cada um dos níveis I a IV para concorrer à promoção ao nível seguinte e de 4 (quatro) anos para promoção do nível V ao VI. Cerca de vinte anos depois passou-se a exigir experiência em pesquisa de 3 (três), 6 (seis), 9 (nove), 12 (doze) e 16 (dezesseis) anos para concorrer a promoção aos níveis II, III, IV, V e VI. Se o PLC for aprovado o candidato deverá permanecer no nível I-A durante os 3 (três) anos de estágio probatório, concorrer à progressão à categoria I-B, onde deverá ficar durante 1 (um) ano, quando poderá concorrer à progressão ao nível I-C.
Neste nível deverá permanecer por no mínimo 2 (dois) anos para concorrer ao nível II-A. Deverá, portanto, permanecer por no mínimo 6 (seis) anos no primeiro nível até que possa concorrer ao segundo. No melhor dos mundos a permanência mínima nos níveis II a V será de 4 (quatro) anos, podendo o pesquisador concorrer ao último nível após 22 (vinte e dois) anos de exercício. Como o texto fala em “efetivo exercício”, o exercício em uma nova categoria ou nível só se dá após a homologação dos resultados das avaliações, o que não é imediato, não pode ser feito por qualquer autoridade e pode não coincidir a abertura de novo concurso para progressão ou promoção com a homologação do concurso anterior: o resultado é que este prazo de 22 anos se transforma em uma via crucis de 36 (trinta e seis) anos para então, ao ser remunerado por subsídio (como se fosse ocupante de cargo de confiança), receber o mesmo que cientistas com menor experiência, menor desempenho, menores responsabilidades, recebem em outros ambientes de pesquisa estaduais ou nacionais. A remuneração por subsídio passa a ser a norma (Art. 16), que ignora experiência, tempo de exercício, atividades exercidas, tanto para pesquisadores em atividade quanto aposentados.
Nas Disposições Transitórias (Art. 6º) admite-se que o pesquisador científico em atividade opte irretratavelmente pela remuneração por salário, o que lhe permitirá continuar a receber adicionais por tempo de serviço, se tiver este direito. Isto fará com que a folha de pagamentos tenha um pequeno acréscimo inicial, devido a ganhos de uma pequena parcela de pesquisadores, porém significará um congelamento de vencimentos à imensa maioria dos pesquisadores. Embora esta não seja e não pretenda ser uma análise exaustiva, percebe-se que este PLC não atende aos reclamos da classe de pesquisadores científicos, não atende às necessidades dos institutos de pesquisa, prejudica ainda mais uma classe de funcionários públicos que sempre se pautou pela excelência de seu trabalho e sua dedicação, prenuncia tratamento tão indigno quanto este aos assistentes técnicos de pesquisa e aos profissionais de apoio à pesquisa.
Uma vez que o Governo do Estado de São Paulo não retirou o regime de urgência na Alesp, divulgou dois falsos substitutivos (tão ruins quanto o original) à Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo e à comunidade, resta pedir às deputadas e deputados estaduais que votem contra este PLC. Sua aprovação significará, sem achismo ou exercício de futurologia, o fim de institutos de pesquisa como o Agronômico de Campinas, o Butantan, o Biológico de São Paulo, sem desprezar os demais treze. Ainda que resultados estrondosos não possam ser vistos de um momento para outro, como em programas de televisão ou redes sociais, não se podem esquecer conquistas como o desenvolvimento de profilaxias, soros e vacinas para humanos e outros animais, da agricultura tropical e subtropical em bases científicas e economicamente viáveis, o conhecimento do bioma e da estrutura física de nosso território, entre outros, promovidos por estes institutos de pesquisa. Aprovar este Projeto de Lei Complementar é ignorar tudo isso, é conferir à ignorância, ao desrespeito, ao desprezo, o status de prima lei.
Marco Antonio Teixeira Zullo – Farmacêutico Bioquímico, Pesquisador Científico. Ex-Presidente da CPRTI, Ex-Diretor Geral do Instituto Agronômico (IAC)