Lançado recentemente, como forma de mobilizar a sociedade e reunir forças para o enfrentamento, o “Manifesto contra a venda da Fazenda Santa Elisa” já conta com dezenas de assinaturas de peso. Uma delas é a do agrônomo Tuffi Bichara, produtor de café na Serra da Mantiqueira, em Monte Alegre do Sul (SP). “Quando soube da intenção do governo estadual, de colocar à venda parte das terras experimentais do IAC, fiquei indignado”, disse.
Proprietário da fazenda Cafezal em Flor, Tuffi Bichara promove há mais de vinte anos o agroturismo no Circuito das Águas Paulista, sempre ao lado da esposa, a historiadora Marcia Regina. Juntos, construíram um território de referência em cafés especiais, que conta hoje com cerca de 25 mil pés de café e aluga chalés para quem quer espairecer em um ambiente rural e conhecer de perto o processo de produção cafeeira.
A fazenda tem cinco variedades de café arábica, quatro delas desenvolvidas a partir de cultivares do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), como a Tupi e a Obatã, por exemplo. “Desde o início, quando fiz os primeiros plantios, os pesquisadores do IAC me auxiliaram no processo e me deram todas as condições para chegar aos cafés de excelência que produzo hoje. Eles me orientaram sobre o melhor local para plantar, sobre o espaçamento, sobre como otimizar o terreno, evitar doenças e conhecer as características de cada grão. Sou muito grato ao IAC”, declarou.
Desde 2005, o café produzido por Tuffi tem ganhado prêmios e se firmado como um dos melhores do País. Nesta terça-feira, 26 de novembro, poderá ganhar mais um, já que a fazenda Cafezal em Flor está entre as finalistas do Concurso Estadual de Qualidade do Café, na sede do IAC.
Tuffi e Marcia Bichara falaram com a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) sobre a importância do IAC e da pesquisa científica no trabalho realizado por eles e saíram em defesa do Instituto. Confira alguns trechos:
APqC – O que o motivou a assinar um manifesto contra a venda da fazenda Santa Elisa, pertencente ao IAC?
Tuffi Bichara – Quando soube da intenção do governo estadual, de colocar à venda parte das terras do IAC, fiquei indignado. Em nenhum lugar do mundo isso seria aceitável. No Brasil, isso é ainda pior, pois estamos entre os maiores produtores de café e dependemos da pesquisa científica para o aprimoramento dos grãos. No meu caso, devo grande parte do meu sucesso como produtor aos pesquisadores do IAC. Eles me orientaram muito bem sobre quais cultivares utilizar nas minhas terras e como tratar cada uma, entre outras coisas. Apesar da produção ser relativamente pequena, ela tem muita qualidade – fato reconhecido por especialistas de todo o Brasil.
APqC – E o que significaria, para os produtores rurais, a venda de uma área de pesquisa tão relevante quanto a da fazenda Santa Elisa, que pertence ao IAC?
Tuffi Bichara – Seria trágico. É uma área fundamental de apoio aos pequenos e médios produtores paulistas – e até mesmo brasileiros, pois o alcance das pesquisas do instituto é nacional. Estamos falando de questões econômicas, porque a redução do investimento em pesquisa vai impactar na produção, mas também de questões ambientais, pois a fazenda Santa Elisa é um bolsão verde no coração de Campinas. Uma área que ajuda a regular a temperatura e serve como abrigo e corredor da fauna local. Caso a venda seja concretizada, sou a favor de fazermos um movimento no Judiciário para pedir uma indenização bilionária pelos prejuízos econômicos e ambientais que isso irá acarretar ao Estado.
APqC – Marcia, como você encara a possibilidade da perda da fazenda Santa Elisa, sob a ótica de historiadora?
Marcia Bichara – Sempre digo aos visitantes do Cafezal em Flor que nós temos um dos maiores centros de pesquisa em café do mundo – que é o IAC. Sem ele, não haveria café resistente à doenças, café resistente à seca, café resistente à ferrugem, ou seja, sem o IAC, provavelmente, as pessoas não teriam acesso à cafés de qualidade produzidos aqui. Só por isso, a venda seria um crime. Mas, falando como historiadora, vejo que nós, brasileiros, não aprendemos a lidar com o trauma de perder patrimônios históricos. Sobretudo os campineiros, que já perderam o Teatro Carlos Gomes, demolido a troco de nada. Estamos sempre destruindo, sucateando, vendendo, privatizando. Lá em Nova Iorque tem o Central Park. Em Berlim tem uma floresta no meio da cidade. Por que em Campinas não pode haver uma fazenda na região central? Por que ela tem de ser vista como um “elefante branco”, apesar de exercer papel fundamental na economia paulista? A pergunta que eu faço é: quem vai ser beneficiado com a venda da fazenda Santa Elisa? Só sei que os produtores de café não serão.
Bruno Ribeiro, para a APqC