Muita gente não se lembra, mas décadas atrás infelizmente era comum que crianças fossem acometidas pela poliomielite ainda nos primeiros anos da infância. A doença causada pelo poliovírus selvagem, que invade o sistema nervoso, pode causar paralisia em pernas e braços e deixar sequelas motoras por toda a vida. Até os anos 80, ao menos 1.000 crianças ficavam paralisadas a cada dia no mundo em decorrência da pólio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa realidade mudou, inclusive no Brasil, graças à vacinação, que é a única forma até hoje criada de prevenir a poliomielite.

Desde 2016, porém, a adesão à vacinação vem caindo no país, o que fez a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da OMS nas Américas, incluir o Brasil na lista das nações que correm o risco da reintrodução do vírus da pólio. Na visão dos especialistas, quanto menos pessoas vacinadas, sobretudo as crianças que são mais vulneráveis ao vírus, maior o risco de a doença voltar a se espalhar.

Para garantir o acesso a essa e outras vacinas, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) faz campanhas anuais para lembrar a população de manter a proteção em dia. A Campanha Nacional de Vacinação Contra a Poliomielite deste ano, promovida pelo Ministério da Saúde, ocorre até 14 de junho, embora a vacina continue disponível nas unidades básicas de saúde após a data. A meta é vacinar 95% do público-alvo, que abrange 13 milhões de crianças menores de cinco anos. Em 2023, 84,63% do público-alvo foi vacinado contra a pólio no Brasil, dado maior do que os 77% de 2022, segundo o Ministério da Saúde.

“Se não alcançarmos essa meta para garantir uma proteção em massa, vamos ter uma população vulnerável. A possível entrada do vírus entre viajantes deixa uma porta aberta para a reintrodução da doença. A única forma de fechar essa porta é vacinar toda a população-alvo”, afirma a gerente de Farmacovigilância do Butantan e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mayra Moura.

Esse risco existe porque, segundo a OMS, o vírus da poliomielite circula de forma endêmica no Paquistão, na Nigéria e no Afeganistão, mas alguns casos foram detectados em outros países nos últimos anos. Estes são indicativos de que o poliovírus continua se espalhando e que pode se propagar em qualquer ambiente onde a população não estiver majoritariamente protegida.

O relatório da OMS mostra que a cobertura global de imunização, incluindo a poliomielite, caiu de 86% em 2019 para 81% em 2021.

Paralisia, pulmão de aço e Zé Gotinha

A poliomielite começou a se propagar no Brasil ainda no começo do século XX e deixou uma legião de crianças com sequelas motoras e neurológicas. “Era comum ver crianças adoecendo, morrendo ou ficando com sequelas motoras por causa da doença. Foi por causa da pólio que foi criada a Associação de Assistência à Criança com Deficiência [AACD] no Brasil”, afirma a gerente de Farmacovigilância do Butantan.

Uma das vacinas contra a poliomielite criadas ainda na década de 50 – a em gotas Sabin – chegou a ser aplicada no Brasil, especialmente após a criação do PNI em 1973. Porém, a pouca oferta e a baixa adesão da população impediram a contenção dos surtos. “Além da paralisia, a poliomielite causa uma grande dificuldade de respirar e era comum ver crianças tendo que usar máquinas artificiais, conhecidas como pulmões de aço”, relembra.

Foi apenas após a criação em 1980 de um plano global de imunização contra a pólio, organizado pela OMS em 175 países, incluindo o Brasil, que a doença começou a ser contida realmente.

A campanha de vacinação contra a paralisia infantil, como passou a ser chamada no Brasil, criou o inesquecível Zé Gotinha e se tornou bastante popular. O nome do personagem fazia uma menção direta à vacina oral contra a pólio (VOP), que era dada em gotas. Em 1989, o Brasil parou de registrar casos de pólio e, em 1994, a doença foi erradicada no país.

Menor percepção de risco = menor procura por vacinas

O sucesso na erradicação da doença, por sua vez, mudou a percepção da população sobre a gravidade da pólio. As pessoas pararam de ver crianças doentes e adultos com sequelas, o que deu a sensação de que a doença não existia mais, mesmo sem a vacinação – o que não procede porque é a vacinação que mantém a erradicação do vírus ainda em voga.

“Quem não vê a doença, não vê a gravidade dela e nem a importância da vacinação, embora o vírus continue existindo mundo afora. Basta o vírus encontrar pessoas suscetíveis, como as não vacinadas, para elas adoecerem, transmitirem a doença e os casos crescerem exponencialmente”, afirma Mayra Moura.

Perguntas e respostas sobre a vacinação contra a poliomielite

1- Quem deve tomar a vacina?

A vacina contra a poliomielite está prevista no calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI) para todas as crianças menores de 5 anos. O esquema vacinal é de três doses da vacina injetável (VIP) aos dois, quatro e seis meses de idade, e dois reforços da vacinal oral bivalente (VOP) aos 15 meses e aos 4 anos.

2- Mesmo quem já tomou todas as vacinas deve se vacinar de novo?

Sim. Mesmo as crianças com o esquema inicial e com as doses de reforço completos devem receber a vacina na campanha sazonal. Elas receberão uma dose da VOP (da gotinha). Crianças que não tiverem completado o esquema vacinal receberão o imunizante injetável para concluí-lo.

3- A criança somente estará protegida com o esquema completo?

Sim. Ela estará protegida contra a poliomielite somente quando completar o esquema de três doses da vacina injetável contra a poliomielite (VIP), chamado esquema primário. As duas doses de reforço garantem o prolongamento dessa proteção, assim como as doses das campanhas sazonais.

4- Por que a necessidade desse reforço agora?

A Campanha Nacional de Vacinação Contra a Poliomielite acontece anualmente nesta época do ano desde a década de 1980. Ela não deve ser considerada excepcional, mas uma forma de reforçar a importância de mantermos a cobertura vacinal de 95% das crianças menores de cinco anos em todo o país, para evitar o risco de novos surtos da doença por aqui.

5- Quais as vacinas usadas contra a poliomielite?

Dois tipos de vacinas contra a poliomielite são usadas na região das Américas: a vacina oral atenuada (VOP) e a vacina injetável inativada (VIP). Antigamente, a VOP continha três tipos de poliovírus. Após a declaração de erradicação do poliovírus selvagem tipo 2, em 2016, o sorotipo 2 foi retirado. Apenas a vacina VOP com sorotipos 1 e 3, conhecida como VOPb, foi continuada. Os países estão substituindo gradualmente esse produto pela vacina VIP – que será o caso do Brasil a partir do segundo semestre deste ano.

6- Quais os efeitos colaterais da vacina contra a poliomielite?

A maioria dos vacinados não apresenta efeitos colaterais, mas raramente pode ocorrer vermelhidão e inchaço no local da vacinação injetável.

7- A vacina tem contraindicações?

Segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações, a VOP é contraindicada para gestante, pessoas que sofreram anafilaxia após o uso de componentes da vacina em especial os antibióticos neomicina, polimixina e estreptomicina; pessoas com doenças do sistema imunológico causadas por doenças ou medicamentos e pessoas que vivem com HIV. A VIP é contraindicada para pessoas com histórico de alergia grave (anafilaxia) à dose anterior da vacina ou a algum de seus componentes.

8- Como se contrai a poliomielite?

O vírus é transmitido de pessoa a pessoa por via fecal-oral ou, menos frequentemente, por um meio comum (água ou alimentos contaminados, por exemplo) e se multiplica no intestino.

9- Quais sintomas podem indicar um caso de poliomielite paralítica?

Deve-se suspeitar de poliomielite em crianças não vacinadas ou parcialmente vacinadas com sintomas semelhantes aos da gripe (febre, dores musculares, dores de cabeça, falta de apetite) e que parecem estar se recuperando, mas que tenham retorno dos sintomas em alguns dias. Pode ocorrer ainda diminuição da força nas pernas ou braços e dificuldade para andar. A diminuição da força progride rapidamente para a paralisia, geralmente desigual entre os membros afetados.

10- Como confirmar que se trata de poliomielite?

Uma amostra de fezes deve ser analisada em laboratório para avaliar a detecção ou não do poliovírus. A amostra deve ser coletada em até 14 dias a partir do início da paralisia.

Fontes: Instituto Butantan; Organização Mundial da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde; Calendário de Vacinação do Sistema Único de Saúde; Sociedade Brasileira de Imunizações.

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